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STJ: Punição por crime sexual contra criança não se desfaz por pretexto de que ação não cabia ao MP

Mesmo antes de a lei prever expressamente, o Ministério Público já tinha legitimidade para propor ação penal em casos de crimes sexuais contra crianças. O entendimento da Ministra Maria Marluce Caldas, do STJ, reafirma que a proteção da dignidade infantil é dever do Estado e não pode ser afastada por formalismos processuais.

O regime de persecução penal dos crimes sexuais passou por significativa transformação com a Lei nº 12.015/2009, que unificou as figuras de estupro e atentado violento ao pudor e tornou a ação penal pública incondicionada nos casos de vítimas menores de 18 anos.

Entretanto, mesmo antes da alteração legislativa, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça já reconhecia a legitimidade do Ministério Público para oferecer denúncia nesses casos, à luz do princípio constitucional da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88).

Caso concreto e fundamentos do julgado

Esse entendimento foi reafirmado pela Ministra Maria Marluce Caldas, ao julgar o Agravo em Recurso Especial nº 3.003.179/AM, em decisão publicada em 29 de outubro de 2025. O STJ manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Amazonas que havia afastado a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público, rejeitando o pedido de reconhecimento da decadência do direito de representação.

O acusado, condenado a 16 anos e 8 meses de reclusão por estupro de vulnerável (art. 213 c/c 224, “a”, e art. 71 do Código Penal), alegava que, à época dos fatos — ocorridos entre 2001 e 2009 —, a ação penal dependeria de representação da vítima ou queixa do ofendido, conforme o art. 225 do CP em sua redação anterior.

O STJ, contudo, reafirmou que, mesmo antes da Lei 12.015/2009, a iniciativa do Ministério Público era legítima e necessária, independentemente da condição econômica da vítima ou da existência de violência real.

“O dever inexorável do Estado de prover a proteção integral à infância e à adolescência impõe o reconhecimento da ação penal pública incondicionada em crimes sexuais contra menores, ainda sob a égide da legislação anterior”, registrou o acórdão.

Precedentes e fundamentação constitucional

A relatora citou precedentes das duas Turmas Criminais do STJ (AgRg no HC 845.871/SP e AgRg no AREsp 1.545.080/MT), segundo os quais a subordinação da punibilidade à representação dos pais é incompatível com a Constituição Federal, que estabelece a indisponibilidade do bem jurídico da liberdade sexual de menores de 14 anos.

O colegiado reiterou que, em tais hipóteses, a ação penal é pública incondicionada, aplicando por analogia a Súmula 608 do STF e afastando qualquer alegação de decadência.

Síntese da decisão

Mesmo antes da Lei nº 12.015/2009, o Ministério Público é parte legítima para propor ação penal pública incondicionada em crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes.A subordinação da persecução penal à representação da vítima ou de seus representantes legais é incompatível com o princípio constitucional da proteção integral. A ausência de violência real ou de hipossuficiência econômica da vítima não afasta a legitimidade do Parquet.

Tese fixada

O Ministério Público tem legitimidade para propor ação penal pública incondicionada em crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, ainda que os fatos sejam anteriores à Lei 12.015/2009, em razão da proteção integral assegurada pela Constituição Federal.