Por ter sido retirado de Shopping, vítima receberá R$ 25 mil de indenização

Por ter sido retirado de Shopping, vítima receberá R$ 25 mil de indenização

A 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a prática de perfilamento racial cometido por seguranças de um shopping center contra um homem negro e condenou o centro de compras a indenizá-lo por dano moral em R$ 25 mil. Sem qualquer justo motivo, o cliente foi obrigado a se retirar do local.

O acórdão explica que o termo perfilamento racial é associado às abordagens policiais, no âmbito da atividade ostensiva de policiamento, assim como às cometidas por seguranças privados, e consiste em prática discriminatória, calcada em estereótipos e no tirocínio de policiais e agentes de segurança particular.

O julgado acrescenta que, segundo tais estereótipos, “pessoas negras são vigiadas, investigadas, selecionadas ou abordadas, a partir da utilização de critérios subjetivos, e por uma perspectiva racista, para um pretenso fim de prevenção ou repressão à prática de crimes ou de condutas ilícitas”.

A decisão do colegiado foi unânime e deu provimento ao recurso de apelação do consumidor. O juiz José Wellington Bezerra da Costa Neto, da 4ª Vara Cível de Mauá, havia julgado a ação improcedente, sob o fundamento de que “a falta de consistência das provas produzidas, se é que há alguma, milita em desfavor da versão da inicial”.

O juízo de primeiro grau não vislumbrou indício das condutas discriminatórias denunciadas. Também alegou não ter sido possível visualizar as filmagens de câmeras do shopping juntadas aos autos e que exibiriam a suposta ação dos seguranças. Por fim, anotou que “a parte autora não se animou a produzir provas adicionais”.

Relação de consumo
No julgamento da apelação foi reconhecida a relação de consumo entre o requerente e o shopping, sendo aplicada a inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além disso, os vídeos citados na sentença foram assistidos pela câmara e contribuíram para o esclarecimento do evento. 

“Há, no caso, acusação de discriminação racial e agressão dirigida ao autor por funcionários da ré (acidente de consumo). Portanto, cabia ao autor a prova do nexo de causalidade e à ré a prova de que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro”, frisou o desembargador relator Alfredo Attié.

Sobre as filmagens, Attié observou que elas puderam ser visualizadas. “O que consta dos vídeos não é bastante para afastar as alegações do autor, considerada a inversão ope legis do ônus da prova, a um lado, e da ausência de contribuição da ré para a produção de prova oral, já que é única parte que teria condições de produzir esta prova, a outro lado.”

Acompanhado pelos desembargadores Daise Fajardo Nogueira Jacot e Luís Roberto Reuter Torro, o relator concluiu que, “pelas provas produzidas e pelo cenário brasileiro de discriminação racial”, os seguranças vigiaram e seguiram o réu, sem motivação aparente, “senão em razão de ser negro”, e ordenaram a sua saída do shopping.

O autor narrou na inicial que o episódio ocorreu no Mauá Plaza Shopping, na tarde de 26 de outubro de 2021. De forma inesperada, ele percebeu que seguranças uniformizados e, depois à paisana, passaram a segui-lo, inicialmente, à distância. A perseguição se intensificou e evoluiu para uma abordagem “incisiva”, com a ordem de retirada do local.

Após o requerente questionar o porquê de sair e argumentar que nada havia feito de errado, os seguranças repetiram a exigência aos gritos e o empurraram. O autor informou que apenas ele foi tratado dessa forma e atribuiu o “ódio” à cor de sua pele e às suas roupas de cantor de rap. O Mauá Plaza negou o ato discriminatório dos funcionários.

Jurisprudência
No último dia 11 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o perfilamento racial invalida provas colhidas durante abordagens policiais. Segundo a corte, as buscas pessoais devem ser orientadas por elementos indiciários objetivos, não podendo ser motivadas “com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física”.

A 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou o recurso antes dessa decisão do STF, mas mencionou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a ilicitude da prática do perfilamento racial em abordagens policiais, ao apreciar o recurso em Habeas Corpus nº 158.580/BA.

O colegiado paulista destacou que o entendimento do STJ, também adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, abrange relações de direito privado. “A natureza privada da segurança não retira o seu caráter de segurança cidadã, isto é, voltada à paz, à convivência pacífica entre as pessoas e a partir da perspectiva dos direitos humanos.”

Quanto ao valor a ser pago pelo réu ao autor, o acórdão justificou que a quantia de R$ 25 mil atende às finalidades compensatória e punitiva da indenização por danos morais, bem como aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. O shopping também deverá arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

1002028-78.2022.8.26.0348

Com informações Conjur

 

Leia mais

Empresa Aérea recorre, mas justiça mantém compensação por danos em cancelamento de voo

Ofende a moral  do usuário a empresa aérea não lhe  comunicar, com antecedência, o cancelamento do bilhete de passagem alegando pagamento irregular No caso examinado...

Perdas decorrentes da ‘compra’ de veículo com restrição não se restituem quando ausente a cautela

No caso julgado pelo TJAM quem vendeu o carro não era o dono e quem o 'comprou' sofreu as perdas sem poder rever  prejuízos,...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

“É um direito meu”, diz mulher trans ao conseguir o documento com a mudança de gênero

Em meio às grades que aprisionam corpos, uma história de libertação ecoa pelos corredores da unidade penitenciária em Sena...

Condomínio pagará multa por demitir porteiros para instalar portarias virtuais

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Condomínio Edifício Cristina, de Campinas (SP), a pagar multa...

Liminar determina que banca mantenha candidata em lista de cotas de concurso público

A 3ª Vara Cível de Brasília determinou, em decisão liminar, que o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção...

Júri condena réu a 25 anos de prisão por feminicídio

Nessa terça-feira, 14/5, Wallace de Sousa Eduardo foi condenado pelo Tribunal do Júri de Taguatinga a 25 anos e...