TRF6 condena União e Minas por adoções ilegais e impõe indenização de R$ 2 milhões

TRF6 condena União e Minas por adoções ilegais e impõe indenização de R$ 2 milhões

Em uma decisão histórica e emblemática para a proteção dos direitos humanos no Brasil, a Justiça Federal em Minas Gerais reconheceu a responsabilidade da União e do Estado de Minas Gerais por violações graves cometidas contra famílias pobres durante o período de transição da ditadura militar para a democracia. A sentença acolheu a apelação de cinco vítimas e condenou os entes federativos ao pagamento de indenizações que somam R$ 1,8 milhão. A decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) ocorreu na sessão desta terça-feira (8/4/2025) sob a relatoria do juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves. A decisão foi por unanimidade.

O caso trata de um dos episódios mais chocantes e obscuros da história recente do país: entre 1985 e 1987, no município de Santos Dumont (Minas Gerais), localizado na Zona da Mata mineira. Centenas de crianças foram retiradas à força de suas famílias e enviadas para adoção no exterior — principalmente para França e Itália — por meio de um esquema judicial fraudulento. A rede envolvia advogados, religiosas e agentes públicos, como comissários de menores e oficiais de justiça, sob a autoridade do então juiz Dirceu Silva Pinto, já falecido. O caso foi amplamente noticiado pelos jornais e continua a receber atenção da Imprensa nos dias atuais.

Os relatos envolvem três famílias diretamente afetadas pelo esquema de adoções ilegais. Maria Ricardina de Souza teve seu filho Paulo César retirado à força de casa pelas autoridades, sendo presa ao tentar resistir. Seus outros filhos, Maria Concebida Marques e Sebastião de Souza Marques, também sofreram com a perda do irmão. Heloisa Aparecida da Silva perdeu três filhos — Cristiano, Marcos e Claudinei — levados sem seu consentimento, restando-lhe apenas fotografias. Já Isaura Cândida Sobrinho viu seus três filhos — Maria Aparecida, Ana Paula e Fabiano — encaminhados irregularmente para adoção, também sendo presa e interditada (considerada louca), assim como Maria Ricardina.

Todas as famílias encontravam-se em situação de extrema vulnerabilidade social e econômica, o que reforçava não apenas a conscientização sobre os próprios direitos, mas também a adoção de medidas legais para garanti-los, especialmente em cidades do interior, nas quais a posição de autoridade dos agentes públicos representava obstáculo ainda maior ao questionamento e à busca por justiça.

O juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves afastou o entendimento anterior que havia reconhecido a prescrição da ação e reformou a sentença de Primeira Instância. Para o magistrado, os danos causados às famílias foram de tal gravidade que justificam a adoção de um regime excepcional de responsabilidade civil do Estado.

A decisão reconhece que a atuação do Estado de Minas Gerais foi determinante para a concretização das adoções ilegais, ao passo que a União foi omissa ao permitir a saída irregular das crianças do país, sem qualquer investigação sobre a legalidade dos processos.

As vítimas, todas mulheres, relataram ter sido presas, interditadas e impedidas de reagir à retirada de seus filhos. O Tribunal fixou indenizações de R$ 500 mil para cada uma das três mães que perderam seus filhos — Maria Ricardina de Souza, Heloisa Aparecida da Silva e Isaura Cândida Sobrinho — e de R$ 150 mil para os irmãos das crianças, reconhecendo o abalo emocional e a ruptura precoce dos laços familiares.

A divisão da responsabilidade foi estabelecida em 80% para o Estado de Minas Gerais e 20% para a União, com base na atuação de cada ente na cadeia de violações. A Justiça também determinou o pagamento de honorários advocatícios, destacando o trabalho “excelente” da defesa ao longo do processo.

Em seu voto, o juiz federal convocado alertou sobre a necessidade de justiça para essas famílias. “As atrocidades cometidas não apenas violaram direitos fundamentais, mas também impuseram sofrimento duradouro, rompendo laços familiares de forma definitiva e causando danos emocionais irreparáveis”, afirmou o juiz em seu voto.

A decisão é considerada um marco para o direito à reparação e pode abrir precedentes para outros casos envolvendo adoções irregulares no Brasil. Ela também reforça a necessidade de enfrentamento dos crimes cometidos no contexto do autoritarismo e da negligência institucional, especialmente contra as mulheres e os mais vulneráveis.

Processo Apelação Cível número 1000920-39.2017.4.01.3801/MG.

Com informações do TRF6

Leia mais

STJ nega habeas corpus a acusada de duplo homicídio e ocultação de cadáver no Amazonas

O Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu liminarmente o Habeas Corpus nº 1010231/AM, impetrado em favor de Analu Filardi Rodrigues,...

Concurso para Defensor Público do AM tem 1.444 candidatos presentes na 1ª fase

As provas escritas objetivas do 5º concurso para membros da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) foram realizadas nesse domingo (15), em Manaus....

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

STJ nega habeas corpus a acusada de duplo homicídio e ocultação de cadáver no Amazonas

O Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu liminarmente o Habeas Corpus nº 1010231/AM, impetrado em...

Concurso para Defensor Público do AM tem 1.444 candidatos presentes na 1ª fase

As provas escritas objetivas do 5º concurso para membros da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) foram realizadas...

Mulher que deu à luz após laqueadura não será indenizada, decide TJSP

A 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 4ª Vara da...

STJ suspende recurso de Oseney no Caso Bruno e Dom, mas ordena Júri imediato para Amarildo e Jeferson

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu suspender o exame do recurso de Oseney da Costa Oliveira no processo...