Devolução da carta por ‘número inexistente’ afasta mora do devedor, define Juiz do Amazonas

Devolução da carta por ‘número inexistente’ afasta mora do devedor, define Juiz do Amazonas

Em ações de busca e apreensão com base em alienação fiduciária, a constituição do devedor em mora pode ser feita por simples envio de notificação ao endereço constante do contrato, mesmo que não haja recebimento pessoal. Contudo, essa formalidade não se cumpre se houver impossibilidade objetiva de entrega, como ocorre quando os Correios devolvem a correspondência com a anotação “não existe o número”.

Nesse cenário, não se trata de recusa do devedor ou de sua ausência, mas de falha estrutural na tentativa de notificação, o que inviabiliza a comprovação da mora. A exigência não é de êxito na entrega, mas de viabilidade real de comunicação, condição mínima para que a mora se configure validamente, definiu o Juiz Cid da Veiga Soares Júnior. A  sentença reforça que, sem comprovação válida da mora do devedor, não se pode prosseguir com pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente.

O pedido de busca e apreensão da motocileta e o indeferimento

Na ação de busca e apreensão a Administradora de Consórcio Nacional Honda Ltda narrou que o cliente quedou-se inadimplente com as obrigações de pagamento. Assim, alegou que deu ciência da mora ao consumidor e pediu a busca e apreensão da motocicleta. Entretanto, Cid Veiga definiu pela ausência de requisito essencial à formação do processo: a comprovação válida da constituição em mora do devedor.

Por meio de sentença, Cid da Veiga Soares Junior  indeferiu a petição inicial e determinou o arquivamento do processo, após constatar que a notificação extrajudicial enviada ao réu foi devolvida com a indicação “não existe o número”.

No entendimento do magistrado, essa anotação específica, que indica a inexistência do endereço apontado no contrato, inviabiliza por completo a comprovação da mora — pressuposto indispensável para o ajuizamento de ação de busca e apreensão de veículo em contratos com garantia de alienação fiduciária.

“A constituição do devedor em mora, embora possa decorrer do simples inadimplemento das parcelas (mora ex re), exige comprovação documental mínima de que o devedor foi notificado no endereço contratualmente indicado”, afirmou o juiz. “Se a correspondência é devolvida com o status de ‘não existe o número’, não há sequer indício de que a comunicação tenha chegado ao conhecimento do réu, razão pela qual o requisito formal da mora não se encontra preenchido.”

Embora o STJ admita que a notificação possa ocorrer por meio de carta com aviso de recebimento (AR) ou por cartório de títulos e documentos, o Judiciário exige que, ao menos, a tentativa de entrega seja válida.

A jurisprudência citada na decisão, inclusive do próprio TJAM, reconhece que o envio ao endereço constante no contrato é suficiente, desde que haja viabilidade de entrega. No caso concreto, porém, não se trata de ausência de recebimento por recusa ou ausência do destinatário, mas sim da impossibilidade objetiva de entrega, já que o número do endereço sequer existia.

“O vício na notificação retira a própria base de sustentação da demanda”, concluiu o magistrado, ao aplicar a Súmula 72 do STJ (“A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”).

Com isso, a ação foi extinta com fundamento no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo. 

A Administradora de Consórcio poderá propor nova ação, desde que corrija o endereço para permitir a entrega válida da notificação extrajudicial — requisito que não pode ser desprezado, ainda que a dívida esteja vencida.

Processo: 0011623-12.2025.8.04.1000

Leia mais

Construtora frustra finalidade da moradia e é condenada a indenizar em R$ 20 mil no Amazonas

Quando a empreendedora cria no cliente a expectativa de que determinado imóvel atenderá a necessidades específicas — como a possibilidade de incluir um terceiro...

Justiça manda iFood devolver valor de produto não entregue, mas nega indenização por danos morais

A Justiça do Amazonas decidiu que o iFood deve devolver R$ 68,37 a um consumidor que comprou pelo aplicativo, mas não recebeu todos os...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Construtora frustra finalidade da moradia e é condenada a indenizar em R$ 20 mil no Amazonas

Quando a empreendedora cria no cliente a expectativa de que determinado imóvel atenderá a necessidades específicas — como a...

Justiça manda iFood devolver valor de produto não entregue, mas nega indenização por danos morais

A Justiça do Amazonas decidiu que o iFood deve devolver R$ 68,37 a um consumidor que comprou pelo aplicativo,...

Nomeação de temporários não pode se sobrepor a concursados, adverte MPAM em Nova Olinda

A discricionariedade administrativa quanto à nomeação de candidatos aprovados em concurso público resta mitigada quando há contratação de...

Banco devolverá em dobro empréstimo com assinatura falsificada e indenizará cliente no Amazonas

Fraude em empréstimo consignado impugnada por consumidor é reconhecida por perícia, e Justiça responsabiliza banco por não adotar mecanismos...