A dose correta da pena e o equilíbrio entre agravantes e atenuantes na visão do STJ

A dose correta da pena e o equilíbrio entre agravantes e atenuantes na visão do STJ

No momento do cálculo da pena — etapa conhecida como dosimetria —, em respeito ao princípio da individualização, o juiz precisa estar atento a uma série de elementos que envolvem tanto o contexto do crime quanto o histórico e as características do agente. É quando o magistrado avalia, por exemplo, as chamadas circunstâncias judiciais (culpabilidade, antecedentes, conduta social, entre outras), os elementos que podem agravar ou atenuar a pena e as causas de aumento ou diminuição.

Nessa análise minuciosa, o juiz deve considerar a presença de eventual concurso entre as circunstâncias agravantes e atenuantes; em caso positivo, se esses elementos se compensam – ou seja, neutralizam-se – ou se há a ocorrência das chamadas circunstâncias preponderantes.

Segundo o artigo 67 do Código Penal, no concurso entre agravantes e atenuantes, a pena deve se aproximar do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais aquelas que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

Apesar desse regramento geral, nem todas as circunstâncias preponderantes — e a consequente definição das possibilidades de compensação — estão expressas na legislação, de forma que cabe ao Judiciário, muitas vezes, dirimir controvérsias sobre esse assunto. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do tema é apresentada a seguir.

Compensação entre confissão e reincidência
Em 2013, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 585), a 3ª Seção estabeleceu a tese de que é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência (Resp.1341.370)

Na ocasião, o relator dos recursos repetitivos, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que havia divergência entre as turmas de direito penal do STJ até que, no julgamento do Resp 1154752, o tema foi pacificado.

No julgamento dos embargos de divergência, também sob relatoria do ministro Sebastião, a seção considerou que a atenuante genérica da confissão espontânea e a agravante genérica da reincidência são igualmente preponderantes, nos termos do artigo 67 do CP. Segundo o colegiado, a atenuante da confissão diz respeito à personalidade — ou seja, a capacidade do agente de assumir seus erros e suas consequências —, enquanto a agravante da reincidência é expressamente prevista como preponderante no texto penal.

Hipóteses de multirreincidência
Mais recentemente, em outubro do ano passado, a 3ª Seção decidiu revisar o Tema 585 para avaliar a necessidade de adequação da tese à hipótese de multirreincidência, com delimitação dos efeitos da compensação para as duas espécies de reincidência (genérica e específica). A proposta de revisão ainda não foi julgada.

Ao decidir reanalisar o precedente qualificado, o ministro Sebastião Reis Júnior apontou que o tema continua sendo objeto de grande controvérsia, tanto nas instâncias ordinárias quanto no STJ, sendo possível encontrar quase 300 acórdãos da corte superior sobre o tema e outras 6.000 decisões monocráticas (Resp 1947385).

Em um desses julgamentos, no HC 365.393, a 3ª Seção definiu que a reincidência específica também pode ser compensada com a confissão espontânea no cálculo da pena. A análise se deu em ação penal pelo crime de roubo, na qual o Tribunal de Justiça de São Paulo havia afastado a incidência da atenuante da confissão por entender que ela teria sido parcial, não alcançando relevância para esclarecer a dinâmica dos fatos.

O relator do Habeas Corpus, ministro Felix Fischer, explicou que o STJ tem jurisprudência no sentido de que é possível reconhecer a atenuante prevista no art, 65, Inciso III, alínea d, independentemente da extensão da confissão, especialmente nos casos em que ela é utilizada como base para a condenação.

Para o magistrado, seria possível compensar a confissão com o gênero reincidência, gerando seus efeitos para ambas as espécies — genérica e específica —, ressalvados os casos de multirreincidência.

Compensação e parâmetros específicos
A situação de multirreincidência foi analisada de forma específica no julgado do Resp 1365.527, quando a 5ª Turma entendeu não ser possível a compensação com a confissão.

Relator do recurso, o ministro Marco Aurélio Bellizze apontou que a compensação da confissão espontânea e da reincidência deve atender a certos parâmetros, como a espécie, a natureza e os graus de reincidência, sob pena de violação dos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.

Nesse sentido, o magistrado considerou que a condição de multirreincidência exige maior reprovação do que a conduta de um acusado que tenha a condição de reincidente em razão de um evento único e isolado em sua vida.

“Equiparar o acusado reincidente ao multirreincidente, de forma simplista, seria violar o princípio constitucional da individualização das penas, que preconiza a necessidade de distinguir condutas ilícitas e pessoas condenadas pela prática de infrações penais, bem como o princípio da proporcionalidade, que elege, entre os seus muitos parâmetros, a necessidade de preponderância da agravante de multirreincidência sobre a atenuante da confissão, na busca da almejada pena justa”, apontou Bellizze.

O entendimento foi reforçado posteriormente pela 6ª Turma, no julgado do Resp 1424247 sob relatoria do ministro aposentado Nefi Cordeiro.

Confissão e crime contra a mulher
No Aresp 689.064, a 6ª Turma decidiu que a atenuante da confissão espontânea pode ser compensada com a agravante de crime praticado com violência contra a mulher.

Na ação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia fixado que a agravante aplicada por se tratar de violência contra a mulher, disciplinada em lei específica, deveria preponderar sobre a atenuante da confissão, já que se relaciona com os motivos determinantes do crime, na forma do artigo 67 do CP.

Entretanto, segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, o entendimento firmado pelo STJ no recurso repetitivo 1.341.370 — de que a reincidência e a confissão espontânea devem ser compensadas entre si, por serem igualmente preponderantes — deve ser estendido, por interpretação analógica, à hipótese em que há a atenuante de confissão e a agravante de violência contra a mulher, pois ambas envolvem circunstâncias preponderantes.

Promessa de recompensa
Para a 5ª Turma, também é possível compensar a atenuante da confissão espontânea com a agravante da promessa de recompensa (art. 62, Inciso IV, CP).

No pedido de HC, a defesa alegou que o reconhecimento da agravante da promessa de recompensa decorreu da própria confissão do réu sobre o crime de tráfico de drogas, e não de outras provas. Assim, para a defesa, o caráter espontâneo e elucidativo das revelações prestadas pelo réu justificaria a confirmação da circunstância preponderante de sua confissão.

Segundo o ministro Felix Fischer, tratando-se de compensação entre circunstâncias igualmente preponderantes, seria o caso de aplicar o entendimento já firmado no STJ para a hipótese de ocorrência da atenuante da confissão espontânea com a agravante de crime cometido mediante pagamento (HC 318.594)

Com informações da assessoria do STJ.

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