O Tribunal de Justiça do Amazonas fixou que o consentimento da vítima menor de 14 anos para a prática de ato sexual não pode ser interpretado a favor do acusado da prática de estupro de vulnerável. Não há possibilidade também de que seja usada a favor do réu, a circunstância fática de que a menor tenha experiência sexual ou haja um antecedente relacionamento amoroso com o infrator, ainda que tenha o consentimento da família, assim decidiu o desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, com voto seguido à unanimidade, em desfavor do acusado.
Pelo instituto do estupro de vulnerável vigora a presunção absoluta da incapacidade da vítima em consentir com a prática do ato sexual. Essas ações, por sua natureza, correm em segredo de justiça, a fim de resguardar a intimidade dos envolvidos, especificamente a da vítima. O voto do desembargador foi exarado em pedido de distinguinshing – que corresponde a prática de se dar interpretação diversa de um precedente a uma causa que, por si, não se encarta nos parâmetros do precedente previamente definido.
Segundo o julgado, há farta jurisprudência no país acerca da matéria que se encontra consolidada no Superior Tribunal de Justiça. A Corte Cidadã dá à lei federal a escorreita interpretação, e, segundo Jomar, há, inclusive, entendimento sumulado, representado pela Súmula 593 do Tribunal da Cidadania.
Diz referida Súmula que “o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.
No caso concreto, a vítima alvo do crime, teria apenas 12 (doze) anos de idade, bem como a aprovação da genitora da menor, como alegado no recurso, mas o julgado definiu que as hipóteses não representam peculiaridades capazes de afastar, no caso concreto, a aplicação do precedente vinculante oriunda da Corte Superior, não sendo o caso do distinguinshing pretendido no recurso, que restou afastado.
“Em relação aos princípios da adequação social, segundo o qual não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora tipificado em lei, não viola o sentimento social de justiça, revela-se inaplicável à espécie, isto porque o bem jurídico tutelado pelo legislador nos crimes de estupro de vulnerável é o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes menores de 14 anos, portanto, a conduta apurada não merece ser relativizada, em consonância com o entendimento pacífico do STJ”.
O relator também rejeitou a aplicação de um pedido de erro de proibição pelo acusado, que visou o convencimento de que não esteve na condição de depreender que conhecesse não ser crime o fato de manter relação sexual com menor de 14 anos. O pedido teve recusa justificada com base nas condições pessoais do recorrente, cujo exame resultou no entendimento de que detivesse a consciência da ilicitude de seu comportamento, como demonstrado na instrução probatória. Condenação mantida.
Processo nº 0000420-42.2016.8.04.5600
Leia o acórdão:
Processo: 0000420-42.2016.8.04.5600 – Apelação Criminal, 1ª Vara de Manicoré. Relator: Jomar Ricardo Saunders Fernandes. Revisor: Cezar Luiz Bandiera EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPROCEDÊNCIA. IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA PARA A PRÁTICA DO ATO, EXPERIÊNCIA SEXUAL ANTERIOR OU EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO AMOROSO COM O INFRATOR. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 593/STJ. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CONFIGURADO. RECURSO NÃO PROVIDO