MPAM repudia “PEC do Estupro” e promove palestras sobre violência contra a mulher

MPAM repudia “PEC do Estupro” e promove palestras sobre violência contra a mulher

O evento discutiu sobre as necessidades de participação das mulheres em espaços da política e programas de perspectiva de gênero, além de mencionar ataques constantes aos direitos conquistados pelas mulheres 

A atuação com perspectiva de gênero pelo sistema de justiça brasileiro norteou um ciclo de palestras organizado pela Ouvidoria da Mulher do Ministério Público do Estado do Amazonas (OM-MPAM), na manhã desta sexta-feira (29/11). Com a presença de vozes femininas de destaque, o encontro teve como objetivo estimular que as vítimas de violência de gênero, desigualdade ou discriminação se manifestem e possam ser ouvidas com o devido cuidado e respeito, garantindo que os relatos recebidos não sejam minimizados pelos órgãos.

A conferência destacou os três anos do lançamento do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como um instrumento que regulariza, de maneira uniforme, a atuação dos investigadores e operadores de Justiça. O protocolo recomenda obrigatoriedade de diretrizes de processamento, investigação ou procedimentos preparatórios, além de padronizar os canais de atendimento, buscando alinhar o respeito à diversidade e o direito à antidiscriminação.

A procuradora-geral de Justiça (PGJ), Leda Mara Albuquerque, na abertura da programação, citou o número de feminicídios no país, onde, somente em 2024, foram registrados 1.467 casos — maior resultado desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ainda segundo ela, no Amazonas, o número de casos confirmados de violência contra a mulher aumentou 42,9% no período de 2021 a 2023, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP).

“Enganam-se aqueles que pensam que a luta pela igualdade de gênero no Brasil avançou o suficiente para que as propostas de igualdade entre homens e mulheres obtivessem igual evolução. Estes ainda são os nossos desafios, especialmente no sistema de Justiça, para que possamos comemorar resultados positivos, a despeito da positivação de gênero”, comentou a PGJ.

Em 2024, a OM-MPAM recebeu cerca de 350 denúncias de mulheres e meninas sobre violência doméstica e dificuldade de acesso a direitos fundamentais que lhes são conferidos. De acordo com a ouvidora-geral e da Mulher, a procuradora de Justiça Jussara Maria Pordeus e Silva, o compromisso com o protocolo é ético e institucional: trabalhar mudanças de uma realidade que, infelizmente, ainda marginaliza mulheres e grupos historicamente marginalizados.

“Durante a nossa atuação, precisamos levar em conta os impactos da desigualdade de poder na descriminalização de gênero, o que inclui a capacitação contínua dos membros do Ministério Público, parlamentares que elaboram as leis, servidores da Justiça e das polícias, profissionais da psicologia e do serviço social, para ajudar na luta pela paridade de gênero”, afirmou a ouvidora da Mulher.

Reflexões além das datas comemorativas

Ainda na programação, a ex-conselheira do CNJ, a procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás (MPGO), Ivana Farina Navarrete Pena, propôs uma reflexão coletiva sobre a necessidade de mudar o quadro atual no combate à violência contra a mulher. Segundo ela, as mobilizações das instituições jurídicas e classes da sociedade não devem resumir seu papel a cores, símbolos ou debates sobre o tema nas datas comemorativas.

A procuradora de Justiça mencionou que o CNJ, na gestão do Ministro Dias Toffoli, assinou a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, em que, dentre os 17 objetivos gerais estabelecidos, o número 5 prevê a igualdade de gênero, para acabar com todas as formas de discriminação, além de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e a exploração sexual e outros tipos.

Para ela, o objetivo ainda está distante de ser cumprido, pois “é notório saber que não existem mulheres em cargos de chefia, diretoria, nem comando nos locais, principalmente na administração pública”. Ela citou também o fato de o Estado do Amazonas e a cidade de Manaus nunca terem sido comandados por mulheres, além dos 200 anos de existência da Assembleia Legislativa, período em que apenas 20 deputadas mulheres foram eleitas.

Moção de repúdio à PEC 164/12

Na oportunidade, foi aprovada uma moção de repúdio ao parlamento brasileiro — em sua maioria composto por homens —, por encaminhar o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 164/12, a chamada “PEC do Estupro”, que proíbe que as mulheres tenham direito ao aborto, inclusive em situações que envolvam estupro. A autora da moção foi a procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás (MPGO), Ivana Farina Navarrete Pena, que obteve aprovação imediata da PGJ do Amazonas, Leda Mara, e da ouvidora-geral e da Mulher, Jussara Pordeus.

Segundo a procuradora de Justiça de Goiás, a atitude do legislativo vai na contramão dos acordos internacionais assinados pelo Brasil em 1979, na Convenção sobre Direitos Políticos da Mulher da Organização das Nações Unidas (CEDAW, em inglês) — equiparados à emenda constitucional em 1984 e incluídos na Constituição Federal de 1988.

“A PEC 164/12 representa um retrocesso civilizatório inadmissível, em afronta direta aos direitos das mulheres, pois ignora a grave realidade de violência e sofrimento em que o aborto legal é buscado”, criticou a procuradora de Justiça goiana.

O ciclo de palestras contou ainda com a participação de Salise Monteiro Sanchotene, desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e Alice Bianchini, conselheira de Notório Saber do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e vice-presidenta da Associação Brasileira de Carreiras Jurídicas (ABMCJ). Em razão de conflitos de agenda, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia Antunes Rocha, não pôde comparecer ao evento de forma virtual, como previsto, mas enviou um mensagem singela aos participantes.

Sobre o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher

A Assembleia Geral da ONU instituiu o dia 25 de novembro em prol da eliminação da violência contra a mulher, tendo como base uma homenagem às Irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), conhecidas como “las mariposas”. Ativistas, elas foram torturadas, espancadas e enforcadas por agentes da polícia secreta do regime do ditador Rafael Trujillo, da República Dominicana, em 25 de novembro de 1960. A morte das irmãs despertou a solidariedade de grande parte da sociedade dominicana da época e fortaleceu a resistência política contra o então ditador, que foi assassinado no ano seguinte.

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