Ao rejeitar a alegação de ilegitimidade passiva do réu, a juíza destacou que os disparos ocorreram fora do exercício funcional e que a demanda trata de responsabilidade civil pessoal do tenente, não passível de transferência ao Estado. Citou o princípio da intranscendência da pena, frisando que a obrigação de reparar o dano recai exclusivamente sobre o autor do ilícito, sem confundir-se com eventuais responsabilidades do ente público.
A Justiça do Amazonas condenou um tenente da Polícia Militar a indenizar um major que ficou tetraplégico após ser atingido por disparos dentro de um veículo descaracterizado da corporação, em Manaus, em 2019. O réu, Joselito Pessoa Anselmo, já havia sido condenado no Tribunal do Júri por homicídio tentado qualificado pela traição aos colegas de farda.
O caso em exame
Na madrugada de 5 de janeiro de 2019, cinco pessoas — quatro policiais militares e um civil — estavam em um Voyage descaracterizado de uso da corporação, após saírem de uma casa de shows na Zona Norte de Manaus. Dentro do carro, o tenente abriu fogo contra os ocupantes.
Mortos: sargento Edzandro Santos Louzada e cabo Grasiano Monteiro Negreiros; Feridos: major Lurdenilson Lima de Paula (que ficou tetraplégico) e um civil, que foi baleado na mão ao tentar contê-lo. Na época, a Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS) prendeu o tenente em flagrante, descartando a versão inicial de “ataque externo”.
A ação indenizatória
Em 2021, o major Lurdenilson ajuizou ação contra o colega, pedindo reparação por danos morais, materiais, estéticos e pela perda de uma chance, além de pensão vitalícia. Alegou que os gastos médicos, tratamentos em Brasília e necessidade de insumos hospitalares consumiram suas economias. Requereu ainda tutela de urgência para desconto mensal direto da folha do réu.
A defesa sustentou ilegitimidade passiva, afirmando que eventual indenização caberia ao Estado do Amazonas, e negou a existência de prova para os pedidos.
Razões de decidir
A juíza Lídia de Abreu Carvalho, da 4ª Vara Cível de Manaus, afastou as preliminares, ressaltando que o crime não se relacionava com o exercício regular da função pública. Com base no art. 935 do Código Civil, considerou que a condenação criminal vinculava a responsabilidade civil.
Danos morais: fixados em R$ 60 mil, reconhecidos in re ipsa diante da gravidade da lesão e das sequelas irreversíveis. Danos materiais: garantido ressarcimento das despesas médicas comprovadas e direito a pensão vitalícia, a ser calculada em liquidação, com base na diferença entre os proventos da reserva e o que receberia em atividade. Danos estéticos e perda de uma chance foram afastados por ausência de comprovação.
Dispositivo e tese
O réu foi condenado a pagar R$ 60 mil de indenização moral, além de arcar com pensão vitalícia e despesas médicas do autor. Também suportará custas e honorários de 10% sobre a condenação.
A decisão sublinha que a reparação civil, nesses casos, deve garantir não apenas compensação simbólica, mas também a subsistência da vítima gravemente incapacitada por ato doloso.
Processo n. 0673903-96.2021.8.04.0001