Justiça garante a estudante de Medicina nova chance em prova teórica

Justiça garante a estudante de Medicina nova chance em prova teórica

A autonomia das instituições de ensino superior é assegurada pelo artigo 207 da Constituição Federal. Porém, ela não é absoluta e deve ser exercida dentro dos limites da legalidade, especialmente quando o ordenamento jurídico prevê hipótese que contemple o progresso acadêmico de estudante com desempenho notoriamente qualificado.

Com essa fundamentação, o desembargador Olímpio José Passos Galvão, da 4ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Piauí, deu provimento ao recurso de apelação de uma aluna de Medicina. Ele determinou que uma faculdade de Teresina anule a reprovação da estudante em uma disciplina e a submeta a nova avaliação.

“O fato de a autora ter obtido excelência na parte prática indica que seu domínio técnico e clínico foi plenamente aferido, reforçando a necessidade de tratamento diferenciado quanto à parte teórica, cuja nota, embora inferior à média mínima, se situou muito próxima do exigido”, destacou o magistrado.

A decisão monocrática acolheu as razões recursais do advogado da universitária, José Vinícius Farias dos Santos. O defensor pleiteou que a cliente fosse dispensada de cursar de novo a disciplina de Ginecologia e Obstetrícia I ou, alternativamente, pudesse ser submetida a outra avaliação por banca examinadora.

Vinícius baseou o seu pedido no artigo 47, parágrafo 2º, da Lei 9.394/1996 — Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Ele alegou ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na decisão acadêmica de reprovação em Ginecologia e Obstetrícia I, uma vez que a aluna demonstrou domínio geral do conteúdo curricular.

Galvão reconheceu a excelência da performance acadêmica da autora da ação em outras disciplinas correlatas, além da inexistência de impugnação específica ao pedido de avaliação supletiva por banca examinadora. Segundo ele, apenas uma nota desfavorável da estudante não afasta a possibilidade jurídica e pedagógica de submetê-la a nova aferição.

Referindo-se ao dispositivo da LDB citado pelo advogado, o desembargador considerou que “é perfeitamente possível sua aplicação analógica ao caso concreto, em que se discute a dispensa de repetição integral de disciplina por estudante que demonstrou desempenho acadêmico destacado, especialmente na parte prática da matéria”.

Conforme a regra mencionada, “os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino”.

No caso concreto, não se busca a abreviação da duração do curso. No entanto, o desembargador reconheceu a possibilidade de aplicação analógica do artigo 47, parágrafo 2º, da LDB para permitir que a autora demonstre, mediante avaliação de banca especial, seu domínio do conteúdo teórico da disciplina, como alternativa viável à repetição integral.

“A finalidade do dispositivo, permitir que o aluno avance no curso com base na comprovação de conhecimento, harmoniza-se plenamente com a pretensão da apelante de evitar a repetição desnecessária de disciplina já parcialmente dominada”, frisou Galvão.

Ele acrescentou que a aplicação analógica da regra da LDB é medida coerente com os princípios da eficiência, da razoabilidade e da economicidade, pois concretiza o direito à educação em sua dimensão qualitativa. Para compelir a faculdade à obrigação de avaliar novamente a aluna, ele estabeleceu multa diária em caso de descumprimento.

O valor dessa sanção pecuniária foi fixado em R$ 1 mil, até o limite de R$ 50 mil. Caso a autora atinja a média necessária para aprovação, a instituição deverá retificar o histórico escolar, registrando o status de aprovada na disciplina Ginecologia e Obstetrícia I, com todos os efeitos acadêmicos e administrativos decorrentes.

Teoria e prática
O acórdão reformou a sentença da juíza Lygia Carvalho Parentes Sampaio, da 1ª Vara Cível de Teresina. Ela julgou improcedente a ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência por considerar a supremacia da autonomia didático-científica da instituição e a indivisibilidade da disciplina teórico-prática.

Consta dos autos que a autora foi reprovada em Ginecologia e Obstetrícia I com média 6,26 na parte teórica, inferior à exigência regimental de 6,7. Por outro lado, na parte prática da mesma disciplina, alcançou a nota 9,54, evidenciando domínio das competências técnicas exigidas.

Para o desembargador, a performance global da aluna não pode ser considerada insuficiente de forma absoluta, especialmente diante da natureza prática do internato médico. “A reprovação por apenas 0,44 ponto na parte teórica, se comparada ao desempenho notável na prática, revela desproporção que merece correção.”

A autora foi aprovada em Ginecologia e Obstetrícia II, matéria complementar e posterior, de conteúdo correlato. “Eventuais lacunas pontuais da parte teórica anterior foram, de fato, superadas, afastando qualquer justificativa pedagógica para o retrocesso acadêmico representado pela exigência de repetição integral da disciplina”, concluiu Galvão.

Processo 0852343-90.2024.8.18.0140

Com informações do Conjur

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