A proteção da saúde e da dignidade humana autoriza a liberação integral do FGTS, ainda que a enfermidade não conste no rol do art. 20 da Lei 8.036/90 e mesmo que existam bloqueios oriundos do Saque-Aniversário ou de alienação fiduciária, definiu sentença da 1a. Vara da Justiça Federal no Amazonas.
A decisão foi proferida em face de pedido em que o trabalhador buscava acessar o Fundo de Garantia para custear internação e tratamento de dependência química grave. O pedido administrativo havia sido negado pela Caixa Econômica Federal.
Fenômeno jurídico central: prevalência da saúde sobre limites legais e contratuais
A sentença define que o FGTS é um instituto de proteção social e, em situações de doença grave, “a tutela da saúde não pode se subordinar a limites prévios, burocráticos ou financeiros, ainda que previstos legalmente”.
O juízo reforça três pontos: O rol do art. 20 da Lei 8.036/90 é exemplificativo, não taxativo. A dependência química, em estágio avançado, constitui enfermidade grave, incapacitante e de impacto social e familiar fulminante. Restrições como Saque-Aniversário e alienação fiduciária cedem diante da urgência terapêutica, porque possuem natureza meramente patrimonial.
Dependência química como doença grave: reconhecimento judicial expresso
A sentença destacou que a dependência química, quando acompanhada de comprometimento severo, não pode ser tratada como mero transtorno. Trata-se de doença crônica e incapacitante, que impõe internação e alto custo de tratamento, justificando a intervenção do Estado para viabilizar o acesso ao patrimônio do próprio trabalhador.
A sentença observa que negar o saque significaria: “utilizar formalismos legais para frustrar a própria finalidade social do FGTS e comprometer a restauração da saúde do trabalhador”.
Saque-Aniversário e alienação fiduciária não impedem liberação
A Caixa alegou que parte do saldo estava alienada fiduciariamente para garantir empréstimo e que o Autor aderira ao Saque-Aniversário, modalidades que bloqueariam a movimentação. O juízo afastou integralmente essas limitações. Com base em precedentes do STJ e do TRF1, a magistrada afirmou que: restrições contratuais não prevalecem sobre hipóteses de necessidade social urgente, como doença grave; a alienação fiduciária não pode anular o direito constitucional à saúde; a liberação do FGTS para tratamento médico é superior à livre disposição patrimonial realizada em contratos de crédito.
Determinações: liberação imediata e cancelamento de bloqueios
A sentença concedeu tutela de urgência; determinou a liberação integral e imediata dos valores de todas as contas do FGTS; ordenou o cancelamento incondicional de bloqueios, retenções e alienações fiduciária.
Direito social, dignidade e finalidade protetiva
A decisão se ancora na ideia de que o FGTS não é apenas poupança compulsória, mas instrumento de proteção existencial. Quando a saúde sofre ameaça concreta e imediata, a lei deve ser interpretada à luz: do art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), do art. 6º (direito social à saúde), do art. 196 (dever estatal de garantir acesso aos meios de tratamento).
A sentença afirma, ainda, que condicionar o saque ao pagamento prévio de dívida alimentada pelo próprio FGTS seria “esvaziar a proteção social em momento de vulnerabilidade máxima”.
Justiça como ajuste ao eixo da saúde
Ao adotar o eixo normativo da saúde como prioridade hermenêutica, o juízo restabelece a coerência entre a finalidade do FGTS e sua eficácia prática: o patrimônio do trabalhador deve servir à preservação da vida, e não colidir com ela.
Processo 1030594-41.2025.4.01.320
