O Ministério Público Federal (MPF) cobrou da Justiça Federal do Amazonas a prolação urgente de decisão na ação civil pública que busca enfrentar o colapso da educação escolar indígena em Manaus, instaurada há mais de um ano e ainda sem desfecho judicial.
O pedido foi assinado em 3 de outubro de 2025 pelo procurador da República Fernando Merloto Soave, que alertou para o agravamento das violações relatadas desde o início do processo e para a inércia persistente da Prefeitura de Manaus, da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e da União.
Um ano de espera e o agravamento do quadro
A ação foi proposta em 2 de outubro de 2024 e completou um ano sem decisão judicial.
De acordo com o MPF, o único avanço concreto foi a nomeação da primeira conselheira indígena no Conselho Municipal de Educação (CME), ocorrida em agosto deste ano, após determinação judicial.
Os demais pedidos — entre eles a regularização dos vínculos de professores indígenas, a implementação de mecanismos de gestão participativa e o cumprimento integral da legislação municipal de educação indígena — permanecem ignorados pela administração municipal.
O órgão relata que reuniões realizadas com lideranças e professores indígenas ao longo de 2024 e 2025 resultaram em sucessivos alertas sobre a piora do cenário: falta de diálogo, remoção arbitrária de docentes e interrupção de práticas culturais nas escolas.
União tenta se afastar do caso, e MPF reage
Na manifestação, o MPF também criticou a postura da União, que informou não ter interesse em participar do processo. Segundo o procurador Soave, a posição é “contraditória e inconstitucional”, uma vez que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) — vinculada ao governo federal — declarou formalmente seu interesse na causa.
“A ausência da União no processo viola expressamente a Constituição, que impõe ao ente federal o dever de proteger os direitos indígenas e coordenar as políticas de educação escolar indígena”, afirmou o procurador.
Por isso, o MPF requereu a manutenção da União no polo passivo, a inclusão da Comissão de Professores Indígenas de Manaus (Copime) no polo ativo, e a formalização da Funai como parte interessada, “como desejado pela própria autarquia”.
Educação indígena à beira do colapso
Segundo documentos anexados à petição, a SEMED promoveu no fim de 2024 um processo seletivo emergencial que resultou na substituição em massa de professores indígenas, sem consulta às comunidades e sem respeitar a continuidade pedagógica e cultural.
Para o MPF, a medida desestruturou a rede indígena de ensino e instaurou um “caos pedagógico e identitário” nas escolas de Manaus. Mensagens de grupos de WhatsApp entre docentes e gestores, anexadas aos autos, mostram insatisfação generalizada e ausência de diálogo efetivo entre a secretaria e as comunidades.
Durante a posse da conselheira indígena no CME, em agosto, o secretário municipal de Educação prometeu reunir-se com o MPF, professores e lideranças para discutir soluções — mas, passado mais de um mês, o encontro nunca foi agendado, apesar de insistentes tentativas do MPF.
“Omissão institucional e descrença nas promessas públicas”
Em ata de reunião realizada em 25 de julho de 2025, lideranças indígenas relataram frustração com o descumprimento da lei municipal que regulamenta a educação indígena em Manaus. Eles destacaram mais de uma década de mobilização até a aprovação da norma e lamentaram o retrocesso causado por seleções irregulares e pela omissão da Prefeitura.
“Jogaram uns contra os outros, lançando um novo processo seletivo sem prazos adequados, quando o correto seria a realização de concurso público”, diz o documento citado pelo MPF.
Ainda segundo as lideranças, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) já se dispôs a ceder espaço para a construção de uma escola indígena de referência, mas o projeto permanece parado por falta de iniciativa da SEMED e ausência de consulta prévia às comunidades, em descumprimento à Convenção 169 da OIT.
Pedido de decisão estruturante
Diante do cenário descrito, o MPF pediu que a Justiça Federal determine medida cautelar imediata para instaurar um procedimento de solução estruturante, com vistas a: corrigir as violações constatadas,assegurar a execução efetiva da lei municipal, e garantir a participação das comunidades indígenas nas decisões sobre a política educacional.
“É urgente que se cesse o estado de inércia e se inaugure um processo de reconstrução da educação indígena em Manaus”, enfatiza o procurador.