Exploração da fé gera dever de restituição e indenização por dano moral, decide Turma Recursal

Exploração da fé gera dever de restituição e indenização por dano moral, decide Turma Recursal

O uso de artifícios baseados na fé alheia, com exploração da vulnerabilidade psicológica da vítima para obtenção de vantagem financeira, configura ilícito civil de elevada reprovabilidade e enseja indenização por dano moral em patamar capaz de cumprir função reparatória e pedagógica.

Com esse entendimento, a 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal deu provimento a recurso inominado para majorar a indenização por danos morais imposta a líder religioso acusado de praticar o que o colegiado qualificou como estelionato espiritual.

O caso

A autora ajuizou ação no 2º Juizado Especial Cível de Taguatinga alegando que o réu, valendo-se de sua condição de pastor e líder religioso com notoriedade em redes sociais, promovia transmissões ao vivo (“lives”) no Instagram, ocasião em que selecionava seguidores e, por mensagens privadas, solicitava transferências financeiras.

Segundo os autos, os pedidos eram acompanhados de profecias, propósitos espirituais e forte coação moral, induzindo a autora a acreditar que algo de ruim poderia lhe acontecer caso não seguisse as orientações transmitidas. Entre os dias 27 e 29 de março de 2025, a autora realizou transferências que totalizaram R$ 930, diretamente para o requerido.

O réu foi regularmente citado, mas não apresentou contestação, incidindo os efeitos da revelia.

Sentença e recurso

Em primeiro grau, o juízo reconheceu a ilicitude da conduta e condenou o réu ao ressarcimento do dano material e ao pagamento de R$ 1 mil a título de danos morais. A autora recorreu, sustentando que o valor fixado era insuficiente diante da gravidade da conduta, do abalo psicológico sofrido e do caráter pedagógico da indenização.

No recurso, argumentou que o réu abusou da fé e da espiritualidade, explorando situação de vulnerabilidade emocional, o que atingiu diretamente sua honra subjetiva e sua integridade psíquica.

Reprovabilidade elevada da conduta

Ao analisar o caso, o relator, juiz Marco Antonio do Amaral, destacou que a conduta do recorrido extrapolou o mero inadimplemento ou dissabor cotidiano. Para o colegiado, ficou evidenciado que o réu se aproveitou deliberadamente da vulnerabilidade psicológica da autora, utilizando seu poder de influência religiosa como meio de manipulação.

Segundo o voto, a prática revela elevada reprovabilidade, pois a obtenção da vantagem financeira decorreu do uso de artifícios ardilosos fundados na fé alheia, com indução de medo quanto à suposta concretização de “profecias catastróficas”.

Majoração do dano moral

A Turma Recursal ressaltou que o quantum indenizatório deve observar critérios consolidados na jurisprudência, como: a gravidade da violação, a repercussão do dano na esfera pessoal da vítima, o grau de censura da conduta, e o caráter pedagógico e inibidor da condenação.

Embora a capacidade econômica do réu não tenha sido comprovada nos autos, o colegiado entendeu que a indenização fixada na sentença não atendia adequadamente à função preventiva da responsabilidade civil. Assim, o valor dos danos morais foi majorado para R$ 4 mil.

Decisão unânime

O recurso foi conhecido e provido por unanimidade, ficando mantida a condenação por danos materiais e majorada a indenização moral. Não houve condenação em honorários advocatícios, diante da inexistência de recorrente vencido, nos termos da Lei 9.099/95. A súmula de julgamento serviu como acórdão, conforme o artigo 46 da Lei dos Juizados Especiais.

RECURSO INOMINADO CÍVEL 0711013-88.2025.8.07.0007

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