A cobrança de valor muito superior ao consentido pela vítima, por meio de máquina de cartão, sem que haja entrega voluntária da quantia excedente, caracteriza furto qualificado mediante fraude, e não estelionato.
A distinção repousa no papel da vontade da vítima: quando o ardil serve para reduzir a vigilância e permitir a subtração sem consentimento, a conduta se amolda ao art. 155 do Código Penal.
Com esse fundamento, a 1ª Vara Criminal da Comarca de Santos, do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou um motorista de aplicativo por furto qualificado mediante fraude praticado por meio eletrônico, com causa de aumento por ter sido cometido contra pessoa idosa. A sentença é da juíza Silvana Amneris Rôlo Pereira Borges.
Do estelionato ao furto qualificado
O réu havia sido denunciado inicialmente por estelionato, sob a acusação de ter cobrado de uma passageira idosa o valor de R$ 3.200,00 por uma corrida avaliada em R$ 6,93, utilizando máquina de cartão. Ao analisar os fatos descritos na denúncia, contudo, a magistrada procedeu à emendatio libelli, readequando a capitulação jurídica para o crime de furto qualificado mediante fraude, cometido por meio de dispositivo eletrônico e majorado pela condição etária da vítima (art. 155, §§ 4º-B e 4º-C, II, do CP).
Segundo a sentença, não houve consentimento da vítima para a subtração do valor excedente. O pagamento autorizado limitou-se ao preço da corrida, sendo a quantia restante retirada de sua conta sem conhecimento ou anuência, mediante fraude destinada a diminuir sua vigilância. Nessa hipótese, destacou a juíza, inexiste entrega voluntária do bem — elemento indispensável à configuração do estelionato.
Fraude para burlar a vigilância
A decisão resgatou a distinção clássica entre furto mediante fraude e estelionato, já consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Enquanto no estelionato a fraude induz a vítima a erro para que ela própria entregue o bem, no furto mediante fraude o ardil serve para distrair ou amortecer a vigilância, permitindo a subtração sem que o ofendido perceba o prejuízo no momento da ação.
No caso concreto, a magistrada considerou inverossímil a tese defensiva de defeito na máquina de cartão, ressaltando que a cobrança exata e elevada — R$ 3.200,00 — revela ação humana deliberada. Também pesou contra o réu o fato de não ter adotado qualquer providência para devolver o valor, além da existência de investigações anteriores envolvendo o mesmo modus operandi e vítimas igualmente idosas.
Condenação e regime fechado
O réu foi condenado a 7 anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de 16 dias-multa, com base nos maus antecedentes e na reiteração do método criminoso. A sentença também fixou indenização mínima de R$ 3.193,07 em favor da vítima, correspondente ao prejuízo material apurado.
Para a juíza, a gravidade concreta da conduta — fraude eletrônica dirigida a pessoa idosa, com elevado prejuízo patrimonial — afasta qualquer possibilidade de aplicação do princípio da intervenção mínima, impondo resposta penal proporcional à reprovabilidade do fato.
Processo Digital nº: 1516411-70.2024.8.26.0562
