O ordenamento jurídico brasileiro, em seus diversos ramos — cível, consumerista e tributário —, não tolera que alguém cobre valores indevidos e permaneça impune, sobretudo quando ausente prova da existência da dívida ou do vínculo contratual que a legitime.
Essa coerência normativa, fundada no princípio da boa-fé objetiva e na vedação ao enriquecimento sem causa, justifica a aplicação da restituição em dobro ao consumidor cobrado injustamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, e, por analogia, conforme a lógica sancionatória do art. 940 do Código Civil, definiu o Juiz Manuel Amaro de Lima, da 3ª Vara Cível de Manaus.
A sentença condenou o Banco Bradesco S.A. a restituir em dobro os valores descontados indevidamente da conta de uma cliente e ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais.
A autora alegou que, apesar de não ter contratado os serviços, o banco passou a lançar débitos mensais em sua conta corrente sob a rubrica “PADRONIZADO PRIORITARIOS I / VR.PARCIAL PADRONIZADO PRIOR”. O Bradesco, em sua defesa, não apresentou documentos válidos que comprovassem a existência do contrato ou a anuência da consumidora, tampouco justificativa razoável para os descontos.
Na decisão, o magistrado destacou que, diante da ausência de qualquer instrumento contratual idôneo, caberia à instituição bancária comprovar a legalidade da cobrança, ônus do qual não se desincumbiu (art. 373, II, do CPC).
“Demonstrado que a imputação do débito à Requerente foi indevida, resta verificar se a situação em tela permite que seja levada a efeito a sanção prevista no artigo 940 do Código Civil”, escreveu o juiz, que traçou um paralelismo entre a sistemática civilista, a lógica do direito tributário (repetição do indébito, art. 165 do CTN) e a norma de proteção ao consumidor.
Com a decisão, o magistrado reforça o raciocínio de que o Direito brasileiro não admite proveito econômico obtido sem causa legítima. Com isso, aplicou o artigo 42, parágrafo único, do CDC, ao reconhecer a má-fé do fornecedor e afastar a tese de engano justificável.
A sentença também rejeitou a alegação de prescrição trienal suscitada pelo banco, adotando o prazo decenal do artigo 205 do Código Civil, por se tratar de pretensão de repetição de valores pagos indevidamente e revisão de cláusula abusiva.
Além da condenação à devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados, com juros e correção, a instituição bancára deverá indenizar a cliente em R$ 5 mil por danos morais. Para o Juiz, “A quantia cobrada causou a autora sérios transtornos no seu cotidiano psicológico e financeiro, tudo porque a ré não adotou as cautelas exigidas”, escreveu.
O Bradesco também foi condenado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação.
Processo nº 0059681-46.2025.8.04.1000.