Era fim de tarde do dia 27 de abril de 2024, na comunidade ribeirinha de Puraquequara, em Manaus, quando a rotina foi interrompida por tiros. Um jovem caiu ferido ao lado de uma pequena canoa de alumínio.
O pai correu, socorreu, mas não viu quem disparou. A única pista era a embarcação fotografada próximo a qual a vítima caiu. A foto foi enviada às pressas para um grupo de WhatsApp. Ali, vizinhos afirmaram que o barco seria de um morador da região.
Essa narrativa chegou à Justiça como denúncia por tentativa de homicídio qualificado. A materialidade do crime estava clara: laudo de corpo de delito comprovava as lesões. Mas, quando a fase judicial exigiu algo além do rumor comunitário, a acusação desmoronou. Nem a vítima, nem a testemunha direta conseguiram reconhecer a autoria do disparo, atribuída a Adriano Trindade da Cruz. As vozes do grupo de mensagens foram a única ligação com o acusado.
Do outro lado, a defesa trouxe testemunhas que situaram o denunciado, no dia e hora dos fatos, em uma festa comunitária, com familiares e amigos. A irmã explicou que a única arma em posse dele era uma espingarda de ar comprimido usada para caçar pássaros. Outros confirmaram que a família sequer possuía a canoa atribuída.
Diante desse quadro, o juiz Fábio César Olintho de Souza foi categórico e definiu que a mera possibilidade de autoria, sem fundar-se em fatos concretos e minimamente seguros, torna a impronúncia medida impositiva.
“Considerando a ineficiência do teor probatório apresentado pela acusação nesta cognição de admissibilidade, não me resta alternativa distinta, a não ser o reconhecimento da impronúncia, face à ausência de indícios suficientes de autoria em desfavor do reú”, registrou o Juiz;
A decisão lembrou, também, que a pronúncia não pode se sustentar apenas em elementos de inquérito ou em boatos digitais. O Código de Processo Penal (art. 414) prevê que, ausentes indícios reais de autoria, cabe a impronúncia, ainda que o crime esteja comprovado. Assim, o processo foi encerrado nesta fase, com a ressalva de que novas provas podem reabrir o caso.
Processo n.: 0498207-41.2024.8.04.0001