Com a Lei nº 14.071/2020, o art. 312-B do CTB passou a proibir a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos casos de homicídio culposo (§3º do art. 302) e lesão corporal culposa (§2º do art. 303) praticados na direção de veículo automotor sob influência de álcool ou drogas. O STJ considerou a irretroatividade da norma.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus em favor de um motorista condenado a seis anos de reclusão por dois homicídios culposos e uma lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, em acidente ocorrido em Indaial (SC) em 2018. A decisão, proferida pelo ministro Carlos Cini Marchionatti (desembargador convocado do TJRS), autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Caso em exame
O réu foi denunciado pelo Ministério Público de Santa Catarina após provocar acidente de trânsito sob efeito de álcool, que resultou na morte de duas pessoas e ferimentos em outra. Condenado em primeira instância a seis anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e à suspensão do direito de dirigir, teve a sentença mantida em apelação e em embargos de declaração no Tribunal de Justiça catarinense. A defesa insistia na aplicação do art. 44 do Código Penal, que admite a substituição da prisão por sanções alternativas em crimes culposos.
Questão em discussão
O cerne da controvérsia girou em torno da alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.071/2020, que restringiu a substituição da pena nos casos de crimes de trânsito relacionados à embriaguez. O Tribunal estadual havia afastado a possibilidade de substituição, considerando que a reprimenda ultrapassava quatro anos de reclusão. A defesa argumentou que os fatos ocorreram em 2018, antes da vigência da lei mais gravosa, devendo incidir a redação originária do art. 44, I, do CP, que excepcionava os crimes culposos do limite temporal.
Razões de decidir
O relator acolheu o entendimento do Ministério Público Federal, segundo o qual a lei posterior não poderia retroagir em prejuízo do acusado. Destacou que, no momento do crime, o Código Penal permitia a substituição, “qualquer que fosse o quantum da pena, desde que se tratasse de delito culposo”. Ressaltou, ainda, que o paciente é primário, possui bons antecedentes e não ostenta circunstâncias judiciais desfavoráveis. Configurada, portanto, a ilegalidade na negativa do benefício, impôs-se a concessão da ordem.
Dispositivo e tese
A Sexta Turma, seguindo a linha já consolidada pela jurisprudência, não conheceu formalmente do habeas corpus — por ser substitutivo de recurso próprio — mas concedeu a ordem de ofício. Assim, a pena privativa de liberdade foi substituída por sanções restritivas de direitos, a serem fixadas pelo juízo de origem.
Com a decisão, o STJ reafirma a inaplicabilidade retroativa da Lei nº 14.071/2020 e garante que, para fatos anteriores, permanece válida a redação original do art. 44 do Código Penal, assegurando ao condenado por crime culposo o direito à substituição da pena, ainda que superior a quatro anos.
HABEAS CORPUS Nº 1014683 – SC