Não suportando a separação da mulher, movido pela manutenção de sentimentos dos quais não perdeu o vínculo, o acusado Charlie Araújo, não superando a quebra da união, atentou contra a vida da vítima, sua ex-companheira. Na prática do crime, a ofendida não esperava a reação bruta, sendo também vítima da surpresa. A morte não sobreveio por circunstâncias alheias à vontade do agente. Tentativa de homicídio duplamente qualificada pelo motivo fútil e por recurso que dificultou a defesa da vítima. Determinado o julgamento pelo júri, a defesa do réu pediu o corte das qualificadoras, argumentando que o juiz teria descumprido o mandamento de aditamento da denúncia pelo Promotor de Justiça.
Tudo se deu quando o acusado, ao chegar na casa da ex-companheira, com a desculpa de buscar uns documentos, ao visualizar a vítima, sem qualquer razão aparente, pegou uma faca e partiu em direção a vítima, atingindo-a com os esfaqueamentos. Tudo isso depois de dois anos de separação.
O cerne da questão jurídica se ateve ao conteúdo de nulidades processuais. A defesa arguiu que, na denúncia, o Promotor de Justiça havia denunciado o réu “como incurso nas penas do crime do homicídio, na modalidade tentativa -Art. 121, caput, combinado com o artigo 14, II do código penal e não fez referência à tipificação das qualificadoras.
Por ocasião da sentença de pronúncia – decisão que submete o réu a julgamento pelo júri- o juiz deu o acusado como incurso nas penas do homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo uso de recurso que tornou impossível a defesa da vítima. A defesa entendeu que houve violação ao princípio da correlação entre a sentença e a denúncia.
Como lecionou o julgado, o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica descrita na denúncia. Embora houvesse irregularidade quanto a omissão na definição da figura típica- Art. 121, § 2º e Incisos, as circunstâncias estiveram descritas na narrativa da peça acusatória e o magistrado poderá dar aos fatos descritos na denúncia com qualificação jurídica diversa, como descrito no artigo 383 do CPP, o que doutrinariamente se denomina de emendatio libelli. O acusado se defende do fato ou dos fatos delituosos narrados na denúncia e não de sua capitulação legal.
“Nessa linha, porquanto arrimado nos elementos probatórios constantes dos autos, entendo que o Magistrado de piso, ao atribuir nova definição jurídica dos fatos descritos na denúncia, agiu acertadamente, não havendo falar, por ora, no decote das qualificadoras por aquele destacadas, haja vista encontrarem ressonância nos depoimentos constantes nos autos”, destacou-se no julgado, rejeitando-se a tese de prejuízo que teria se encerrado em nulidade cuja declaração restou prejudicada. Afastou-se a imperatividade de aditamento da inicial acusatória e a necessidade de intimação da defesa, pois não foi a hipótese de mutatio libelli e sim de emendatio libelli.
Processo nº 0631689-90.2021.8.04.0001
Leia o acórdão:
Primeira Câmara Criminal Recurso em Sentido Estrito n.º 0631689-90.2021.8.04.0001 Recorrente: Charlie Dias. Relatora: Desembargadora Vânia Marques Marinho PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TESE DEFENSIVA. NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA DO FATO, MEDIANTE A INSERÇÃO DAS QUALIFICADORAS DO CRIME DE HOMICÍDIO CONCERNENTES AO MOTIVO FÚTIL E AO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO CONTIDAS NA ACUSAÇÃO. INSTITUTO DA MUTATIO LIBELLI. ART. 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE ADITAMENTO DA EXORDIAL. NULIDADE DECORRENTE DA INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DA CORRELAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA RESSONANTE NA NARRATIVA FÁTICA DESCRITA NA DENÚNCIA. MERO ENQUADRAMENTO JURÍDICO. EMENDATIO LIBELLI CONFIGURADA. ART. 383 DO DIGESTO PROCESSUAL. PRESCINDIBILIDADE DE ADITAMENTO OU INTIMAÇÃO PRÉVIA DA DEFESA. PRESERVAÇÃO DAS QUALIFICADORAS, EM VIRTUDE DA NATUREZA DA DECISÃO RECORRIDA. MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONHECIDO E DESPROVIDO