O Desembargador Jorge Manoel Lopes Lins, do Tribunal de Justiça do Amazonas, fixou que, não se entende como crime de peculato cometido por servido público, se não restar provado a vontade de que tenha tido intenção de possuir em definitivo o bem retirado da repartição pública. A denúncia narrou que um investigador teria se apossado de duas geladeiras e duas tv´s de uma Delegacia de Polícia, em Manicoré. Na origem, o acusado foi absolvido. O juízo considerou que o uso dos objetos se deu por prazo inferior a 30 dias e que os mesmos foram devolvidos, não se configurando o ânimo de se apropriar definitivamente das coisas móveis públicas. Aplicou-se o entendimento de que houve peculato de uso, não cabendo punição.
A sentença abordou que servidores da delegacia eram, inclusive, autorizados a utilizarem motocicletas sob cautela para uso particular, não se tendo notícia de impugnação à respeito, e, deste modo, não haveria também relevância penal em se instaurar uma ação penal para se apurar o uso temporário de uma geladeira pelo funcionário.
“O Direito Penal não deve se preocupar com condutas cujo resultado não é suficientemente grave e principalmente quando outros ramos do direito são capazes de repreender satisfatoriamente a ação” editou o magistrado, absolvendo o acusado E.N.G. O Promotor de Justiça recorreu.
No Acórdão, ao rejeitar o recurso, a Corte de Justiça, seguindo o voto do Relator, firmou que a absolvição no caso concreto deveria ser mantida. “Embora a conduta do funcionário tenha sido moralmente reprovável, não constitui ilícito penal em prestígio à figura do peculato de uso, os fatos apurados nos autos’, pois não se conseguiu identificar com segurança o ânimo de posse definitiva sobre os bens públicos dito apropriados pelo servidor.
Processo nº 0000392-10.2017.8.04.5600
Leia o acórdão:
Apelação Criminal / Prevaricação. Relator(a): Jorge Manoel Lopes Lins. Comarca: Manicoré
Órgão julgador: Segunda Câmara Criminal. Data do julgamento: 13/02/2023 Data de publicação: 13/02/2023 Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL – PECULATO – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – ATIPICIDADE DA CONDUTA – PECULATO DE USO – RECURSO DESPROVIDO. 1.Nos temos do artigo 312 do CP, incidirá as sanções do crime de peculato ao funcionário público que se apropriar de valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. 2.Para a configuração do referido delito, quando se trata de bem móvel, exige que a intenção do agente se volte à vontade de possuir em definitivo a propriedade do bem, a qual, estando ausente, incorrerá na figura do peculato de uso, o qual considera atípica a conduta. 3.Da análise valorativa de toda prova colhida em contraditório judicial, vê-se que razão não assiste ao Ministério Público, pois, de fato, as provas são insatisfatórias e não permitem a segura conclusão do animus domini por parte do Apelado sobre o bem. 4.Desta forma, remanescem contra o Apelado apenas indícios, os quais não podem ser interpretados como prova contundente de autoria, não havendo como proceder outro deslinde ao caso que não seja o da absolvição. 5.Portanto, não havendo certeza pelas provas constantes dos autos de que o Apelado tenha de fato praticado a conduta delitiva descrita na denúncia, bem como que a media mais acertada a ser aplicada ao caso perfaz na esfera administrativa, a sua absolvição se mostra a medida mais correta a se impor em prestígio ao princípio in dubio pro reo. 6.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.