A Justiça do Amazonas decidiu que o Salinas Exclusive Resort deve devolver 75% dos valores pagos por um comprador que pediu a rescisão do contrato de multipropriedade. O juiz destacou que reter integralmente sinal e parcelas é prática abusiva e aplicou a orientação do STJ de que, em casos de rescisão, só é permitida retenção parcial, entre 10% e 25%.
Com esse entendimento, o juiz Adonaid Abrantes, da 21ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), em Manaus, declarou rescindido o contrato de multipropriedade firmado entre o Salinas Exclusive Resort e o consumidor, mas rejeitou o pedido de indenização por danos morais.
O contrato havia sido assinado em 2018 para aquisição de uma cota de unidade residencial no valor de R$ 38,2 mil, além de comissão de corretagem de R$ 3,9 mil. O consumidor alegou ter desembolsado mais de R$ 40 mil em sinal e parcelas, além de ter sido surpreendido por cobranças adicionais não informadas no momento da venda.
Em contrapartida, as empresas sustentaram a prescrição da corretagem, a ilegitimidade da GAV Resorts, a validade da cláusula de foro contratual e a possibilidade de reter integralmente os valores pagos em caso de desistência.
Ao proferir a sentença, Adonaid rejeitou parte dessas teses, reconhecendo a legitimidade da GAV Resorts e afastando a cláusula de foro por prejudicar o consumidor. A decisão, amparada em sólida fundamentação jurídica, esclareceu a natureza das arras e pontuou que “não se trata de mero sinal ou arras e sim princípio de pagamento do acordo entabulado”, ou seja, arras confirmatórias, que representam início do pagamento do contrato e não podem ser retidas integralmente.
Abrantes ressaltou que apenas as arras penitenciais, quando expressamente previstas em contrato, têm natureza de multa por arrependimento, mas mesmo essas devem ser interpretadas à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse aspecto, ainda que houvesse previsão de arras penitenciais, observou o juiz, a regra do Código Civil que autoriza a perda integral não poderia se sobrepor ao Código de Defesa do Consumidor. Pelo princípio da “lei especial prevalece sobre a geral” (lex specialis), o CDC tem aplicação prioritária e o artigo 51 da norma considera nulas cláusulas que imponham ao consumidor desvantagem exagerada, como a perda de todo o valor já pago.
Amparado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o magistrado reforçou que “as arras confirmatórias não se confundem com a prefixação de perdas e danos (…), razão pela qual não podem ser objeto de retenção na resolução contratual por inadimplemento do comprador”.
Seguindo essa orientação, fixou a devolução de 75% ao consumidor, em linha com o entendimento consolidado do STJ de que, em casos de rescisão contratual por iniciativa do comprador, deve haver restituição da maior parte dos valores pagos, admitindo-se apenas uma retenção moderada entre 10% e 25%.
Quanto ao pedido de indenização por danos morais, o juiz afastou a pretensão, ao afirmar que “não se verifica hipótese indenizável… não houve evidência de ofensa a qualquer valor fundamental de status constitucional, concluindo-se pela inexistência de dano moral”. A decisão reconheceu ainda a prescrição trienal da comissão de corretagem, impedindo a devolução dessa quantia específica.
No tocante às custas, o magistrado aplicou sucumbência recíproca, determinando que cada parte arque com 50% das despesas processuais, além de fixar honorários de R$ 2 mil em favor do advogado do autor e de 20% sobre o valor pleiteado a título de danos morais em favor da ré, com cobrança suspensa em razão da gratuidade de justiça.
Dessa forma, o juiz declarou abusiva a retenção integral de valores pagos em multipropriedade e confirmou que apenas uma retenção parcial, moderada e proporcional é juridicamente admitida, reforçando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do STJ.
O consumidor foi representado pelo advogado Lucas Figueiredo.
Processo: 0467575-32.2024.8.04.0001