O uso gratuito de um imóvel, quando concedido sem prazo determinado, não confere ao ocupante direito de permanecer indefinidamente no bem. Essa forma de ocupação caracteriza comodato precário, relação que se extingue pela simples vontade do proprietário, bastando para tanto a notificação extrajudicial. A recusa em desocupar o imóvel após o aviso constitui esbulho possessório, legitimando o pedido de reintegração.
A recusa em desocupar imóvel cedido gratuitamente após a revogação de um comodato verbal configura esbulho possessório e autoriza a reintegração de posse.
Com esse entendimento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas manteve sentença que determinou a restituição de parte de um imóvel cedido sem prazo e sem contraprestação, rejeitando recurso interposto pelo ocupante.
O colegiado reconheceu que o uso do bem se deu a título precário, mediante comodato verbal — espécie de empréstimo gratuito —, e que, uma vez revogada a autorização, a permanência do ocupante passa a ser injusta. A relatora, desembargadora Socorro Guedes Moura, destacou que “configura esbulho possessório a permanência em imóvel após a revogação do comodato verbal e a recusa de desocupação”, reafirmando que esse tipo de contrato não gera posse com animus domini, ainda que o ocupante permaneça por longo período no local.
Segundo o acórdão, ficaram demonstrados todos os requisitos do artigo 561 do Código de Processo Civil para a tutela possessória — posse anterior, ocorrência de esbulho, data do esbulho e perda da posse. A decisão citou precedente do próprio TJAM segundo o qual “o contrato de comodato consiste em empréstimo de uso e não se transmuta em posse com animus domini, independentemente do prazo decorrido”.
O tribunal também afastou as alegações de usucapião e de direito sucessório apresentadas pelo recorrente, observando que tais matérias demandam ação própria e não afastam o caráter precário da posse. Da mesma forma, não foram reconhecidas benfeitorias indenizáveis nem danos morais, por ausência de prova nos autos.
A decisão colegiada manteve integralmente a sentença de primeiro grau, que havia determinado a reintegração do imóvel, e majorou os honorários advocatícios para 20% sobre o valor da causa, conforme o artigo 85, §2º, do CPC.
O caso reafirma o entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência de que o comodato é um contrato gratuito e revogável a qualquer tempo, quando não há prazo estipulado, conforme os artigos 579, 581 e 1.228 do Código Civil. A partir da notificação do comodante, a manutenção do ocupante no bem perde legitimidade e transforma-se em esbulho possessório, legitimando o ajuizamento da ação de reintegração de posse.
Recurso n.: 0426691-92.2023.8.04.0001
