Embora a defesa buscasse sustentar que havia erro na valoração jurídica da prova, o texto recursal acabou descrevendo um cenário de reexame fático, como se o STJ devesse revisar o conteúdo das declarações e o peso das evidências. A diferença, sutil para quem escreve, é decisiva para quem julga: enquanto a revaloração permite discutir o direito aplicado aos fatos, o reexame convida o tribunal a refazer a leitura das provas — o que a Súmula 7/STJ não admite.
O recurso especial só pode ser admitido se cumprir todos os requisitos previstos em lei. Quando ele é negado na origem, cabe ao advogado interpor agravo em recurso especial, instrumento que busca destrancar a subida do processo ao Superior Tribunal de Justiça. Se esse agravo não demonstra com clareza que o pedido não depende de reexaminar provas, limitando-se a repetir argumentos de mérito, o recurso não ultrapassa a fase de admissibilidade.
Nessas situações, o STJ impede o andamento de recursos que não enfrentam, de forma direta e específica, os fundamentos da decisão anterior. Foi com essa razão de decidir que a Corte manteve a condenação de um réu no Amazonas, acusado de estupro de vulnerável na forma qualificada.
O caso teve origem em ação penal julgada pela 1ª Vara de Crimes Contra a Dignidade Sexual de Manaus, que condenou o réu a dez anos, dez meses e dezoito dias de reclusão, em regime inicial fechado. O Tribunal de Justiça do Amazonas confirmou a sentença, entendendo que a palavra da vítima — firme, coerente e compatível com os demais elementos dos autos — era suficiente para embasar a condenação, mesmo sem laudo pericial que indicasse lesões físicas.
A Corte estadual também reconheceu a incidência da causa de aumento prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, por considerar comprovada a relação de hospitalidade entre o réu e a vítima.
No recurso especial, a defesa alegou violação ao Código de Processo Penal, sustentando que a condenação se baseou apenas em declarações prestadas na fase inquisitorial, sem confirmação em juízo. O TJ-AM, contudo, inadmitiu o recurso, apontando que o pedido demandava reexame de provas, hipótese vedada pela Súmula 7/STJ.
Ao analisar o agravo, o ministro Ribeiro Dantas, relator do AREsp 3.056.409/AM, observou que a defesa não demonstrou de forma concreta e específica por que a controvérsia poderia ser apreciada sem reabrir o conjunto fático-probatório. Segundo o relator, o inconformismo limitou-se a alegações genéricas de que o recurso tratava apenas de matéria de direito, sem indicar qual ponto jurídico autônomo poderia ser examinado pelo STJ com base nos fatos já reconhecidos pelo acórdão recorrido.
O ministro citou precedentes da Corte que reforçam a necessidade de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, sob pena de aplicação da Súmula 182/STJ. “Os recursos devem impugnar, de maneira específica e pormenorizada, os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem; meras alegações genéricas não são suficientes”, registra o voto.
A decisão também fez referência à Súmula 83/STJ, segundo a qual não se conhece de recurso quando o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência dominante da Corte Superior — o que, no caso, também se verificou.
Sem preencher os requisitos formais e sem demonstrar que a análise pretendida prescindia do reexame de provas, o agravo não superou o juízo de admissibilidade. O STJ, então, não conheceu do recurso e manteve a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Amazonas.
AREsp 3056409
