Decisão relatada pelo Ministro Ribeiro Dantas, do STJ, definiu que ausência de perícia e de testemunha ocular fragilizou a condenação.
O relato de uma mulher que disse ter acordado despida, sob efeito de medicamento para dormir, e notar vestígios de sêmen em seu corpo levou à condenação por estupro de vulnerável no interior do Amazonas. A pena foi fixada em mais de dez anos de prisão e confirmada pelo Tribunal de Justiça estadual com base na palavra da vítima, considerada suficiente para demonstrar a vulnerabilidade exigida pelo tipo penal.
No Superior Tribunal de Justiça, contudo, o caso ganhou outra dimensão: a ausência de exame de corpo de delito, a falta de perícia nos vestígios narrados e a não oitiva da filha do casal — apontada como testemunha ocular — revelaram fragilidade probatória que culminou na absolvição. Foi Relator o Ministro Ribeiro Dantas.
A falha na produção de provas
Relator do caso, o ministro Ribeiro Dantas observou que a condenação se apoiava em um único eixo probatório: a palavra da vítima. Embora a jurisprudência reconheça a relevância desse depoimento em crimes sexuais, sobretudo diante da clandestinidade que os cerca, não se pode dispensar diligências mínimas quando elas são viáveis.
Segundo o magistrado, houve clara perda da chance probatória: o Estado deixou de produzir evidências que estavam ao seu alcance, como a perícia nos vestígios ou o depoimento da única testemunha indicada, comprometendo a consistência da acusação.
Presunção de inocência
Na decisão, o ministro destacou que a gravidade dos fatos não pode justificar condenações amparadas apenas em prova frágil. A presunção de inocência, prevista na Constituição, exige lastro mínimo de confirmação independente.
Absolvição
Com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, a Corte absolveu o acusado por insuficiência de provas. Para o STJ, ainda que se trate de acusações graves, a condenação penal só se legitima quando fundada em elementos robustos e independentes, sob pena de se transformar em injustiça.
Reflexo do precedente
O julgamento lança luz sobre um debate sensível: como equilibrar a proteção da vítima em contextos de vulnerabilidade temporária — induzida por álcool, medicamentos ou estados de inconsciência — com a necessidade de provas materiais mínimas para sustentar uma condenação. Ao firmar que a palavra da vítima é relevante, mas não pode, sozinha, substituir diligências possíveis, o STJ delimita o alcance do art. 217-A do Código Penal e reforça a centralidade da prova técnica no processo penal.
Na prática, a decisão pode influenciar casos futuros em que a alegada vulnerabilidade decorra de fatores transitórios, exigindo dos órgãos de persecução criminal mais rigor investigativo para que não se inviabilize a responsabilização em situações graves, mas tampouco se flexibilize o núcleo da presunção de inocência.
NÚMERO ÚNICO:0600055-25.2024.8.04.2700