Foro estrangeiro em contrato de adesão pode ser nulo se comprometer acesso do consumidor à Justiça

Foro estrangeiro em contrato de adesão pode ser nulo se comprometer acesso do consumidor à Justiça

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão pode ser considerada nula quando representa obstáculo ao acesso do consumidor brasileiro à Justiça. Segundo o colegiado, obrigar o consumidor a buscar seus direitos em tribunais estrangeiros representaria um ônus desproporcional, diante da distância geográfica, das barreiras linguísticas, das diferenças procedimentais e dos custos elevados.

O caso analisado pela turma julgadora teve início em ação ajuizada por consumidora brasileira contra empresa estrangeira de apostas online. O juízo de primeira instância declarou a nulidade da cláusula de eleição de foro, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Para o tribunal, além de se tratar de um contrato de adesão, a cláusula que estipulava o foro de Gibraltar, na Península Ibérica, para resolução de qualquer pendência entre as partes tornaria inviável o acesso da autora ao Judiciário.

Ao recorrer ao STJ, a empresa de apostas alegou que a Justiça brasileira não teria competência para julgar o caso, já que, segundo os termos contratuais, qualquer disputa deveria ser resolvida em Gibraltar, onde ela está sediada. Argumentou ainda não possuir domicílio, agência ou filial no Brasil, e que a cláusula de eleição de foro deveria prevalecer, conforme os artigos 25 e 63, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC), que visam proteger o réu e evitar abusos processuais.

Cláusula que elegeu o foro foi imposta unilateralmente pela empresa

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, embora o artigo 25 do CPC admita, em regra, a validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais, o parágrafo 2º desse dispositivo impõe a observância do artigo 63, parágrafos 1º a 4º, que permite ao juiz declarar de ofício a ineficácia da cláusula abusiva.

O ministro Antonio Carlos Ferreira ressaltou que, à luz do princípio da vulnerabilidade previsto no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o consumidor deve ser reconhecido como a parte mais fraca da relação jurídica, o que impõe que seja protegido contra práticas que restrinjam ou inviabilizem o exercício de seus direitos. O relator enfatizou que essa vulnerabilidade se revela de maneira ainda mais acentuada nas relações de consumo transnacionais realizadas em ambiente digital.

Nesse contexto, o ministro apontou que, para se declarar a nulidade de cláusula de eleição de foro estrangeiro, é necessário que o contrato seja de adesão, que o consumidor seja hipossuficiente e que haja efetiva dificuldade de acesso à Justiça. Segundo o relator, todos esses critérios foram devidamente reconhecidos no caso em análise, justificando a invalidação da cláusula, a qual “não foi objeto de negociação específica, tendo sido imposta unilateralmente pela empresa provedora do serviço”.

Empresa de apostas direcionava seus serviços ao público brasileiro

Antonio Carlos Ferreira destacou que a empresa direcionava seus serviços especificamente ao público brasileiro, o que se evidencia diante da disponibilização do site em língua portuguesa, do suporte técnico no Brasil e da possibilidade de apostas em moeda nacional. Para o relator, tudo isso configura vínculo jurídico substancial com o território brasileiro, suficiente para justificar a incidência das normas processuais nacionais e a competência da Justiça brasileira, pouco importando a localização da sede da empresa.

Processo REsp 2210341
Com informações do STJ

Leia mais

Escrivães e investigadores do Amazonas devem ser promovidos com retroativos desde 2016

Sentença do Juiz Paulo Fernando de Britto Feitoza, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Manaus reconheceu a omissão do Estado do Amazonas em...

Justiça do Trabalho garante prioridade a gestantes, lactantes e puérperas

O normativo, aprovado na última sexta-feira (29), em sessão do CSJT, vale para a Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus de todo...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Senado reduz prazo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa

Os políticos condenados à inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa (Lei 134/2010) ficam proibidos de disputar eleições por, no máximo, 8...

Escrivães e investigadores do Amazonas devem ser promovidos com retroativos desde 2016

Sentença do Juiz Paulo Fernando de Britto Feitoza, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Manaus reconheceu a omissão...

OAB vai ao STF contra PEC do calote nos precatórios

O Conselho Federal da OAB ingressará com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) logo após...

Justiça condena empresa por recusa de atestado médico particular

Sentença proferida no 2º Núcleo de Justiça 4.0 do TRT da 2ª Região reverteu justa causa de escrevente de...