Diretor de corretora não é responsável por operações irregulares de clientes

Diretor de corretora não é responsável por operações irregulares de clientes

Não se pode obrigar ninguém a agir sem que possa fazê-lo. Além disso, uma denúncia precisa descrever de forma precisa, concreta e específica todos os elementos da figura típica ao caso concreto, bem como as circunstâncias dessa projeção.

Com esses fundamentos, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região trancou uma ação penal com relação a um ex-diretor de relações com o mercado de uma corretora de valores, que era acusado de não impedir operações com características de manipulação de preços de ativos negociados.

O ex-diretor era acusado do crime de manipulação de mercado, devido à sua suposta omissão em coibir operações irregulares envolvendo papéis emitidos por duas empresas.

Para o Ministério Público Federal, era esperado que ele não permitisse negócios com o mesmo modus operandi e envolvendo as mesmas pessoas. A 2ª Vara Federal de Volta Redonda (RJ) recebeu a denúncia.

A defesa do réu — feita pelos advogados Rodrigo Falk Fragoso e João Pedro Gradim Fragoso, do escritório Fragoso Advogados — alegou ao TRF-2 que a petição inicial era inepta e que não havia justa causa para a denúncia.

Segundo eles, a denúncia não narrou a razão pela qual o ex-diretor deveria ter agido para evitar as operações, nem descreveu de forma clara e precisa qual foi a conduta típica praticada por ele.

Os advogados ainda apontaram que nenhuma lei, norma administrativa ou instrução normativa estabelece aos diretores de relações com o mercado de corretoras de investimentos o dever de impedir as operações, feitas por clientes, que possam configurar crime de manipulação de mercado.

O desembargador Macário Ramos Júdice Neto, relator do caso, notou que o próprio MPF se mostrou “em dúvida quanto à classificação do crime”, pois apresentou versões diferentes sobre o tipo de omissão atribuída ao réu.

A petição inicial citava as formas de omissão descritas nas alíneas “a” e “b” do § 2º do artigo 13 do Código Penal, enquanto o parecer apresentado contra o pedido de Habeas Corpus apontava a alínea “c”.

“Trata-se da repudida figura da denúncia genérica ou alternativa, plenamente vedada”, apontou o magistrado. Segundo ele, uma denúncia “imprecisa, genérica e vaga” é “incompatível com o princípio da dignidade humana e, especialmente, com os postulados do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório”.

Júdice Neto ainda notou que, na descrição da conduta atribuída ao réu, não havia “qualquer elemento concreto que o ligue aos acontecimentos narrados na denúncia, em especial o resultado que haveria de ser evitado, a não ser a mera qualidade de diretor de relações com o mercado”.

Ele ressaltou que as normas e procedimentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da bolsa de valores apontados pelo MPF são dirigidas à corretora, e não ao réu.

Esses regulamentos não atribuem aos diretores de relações com o mercado o dever específico de impedir as operações irregulares feitas por clientes que possam configurar crime.

Por outro lado, a denúncia não descreveu com precisão as regras que a empresa deveria adotar, se as adotou e quais seriam as condutas atribuídas aos diretores.

A denúncia se limitou a “narrar uma suposta omissão imprópria do paciente, sem, contudo, descrever qual o dever jurídico violado, ou seja, o dever de conduta que haveria de adotar  concretamente, para que o bem jurídico tutelado fosse preservado de riscos e lesões”.

Para o desembargador, “a denúncia considerou o paciente responsável pelo crime apenas em razão do cargo ocupado, sem indicar com precisão como ele teria concorrido, com a sua suposta omissão, para o mencionado delito”.

O relator não identificou “qualquer mínimo indício” de que o ex-diretor tivesse “real conhecimento” de que, dentre os milhões de clientes da empresa, dois deles “estariam praticando operações com características de manipulação de preços”.

Segundo o magistrado, “o paciente jamais poderia antecipar-se, agindo para evitar as ações” supostamente criminosas dos clientes da corretora.

De qualquer forma, Júdice Neto considerou que o MPF sequer poderia atribuir um “dever de agir” ao paciente, pois as regras da CVM e da bolsa de valores “não são leis em sentido estrito” e, portanto, não geram responsabilidade criminal.

“Somente as leis derivadas do processo legislativo possuem o condão de criar de forma específica o dever legal de agir do garantidor”, assinalou.

Por fim, o magistrado destacou que o ex-diretor não havia aderido de forma consciente e voluntária a qualquer norma de compliance que estabelecesse tal dever de agir.

Processo 5005455-23.2024.4.02.0000

Com informações do Conjur

Leia mais

Valor da indenização por erro em cartão deve considerar o porte econômico do banco, diz Justiça

A fixação do valor de uma indenização por dano moral decorrente de equívoco em contrato bancário deve levar em conta a gravidade do vício...

Seguradora tem direito de reembolso por indenizar falhas da Amazonas Energia, decide Justiça

Decisão monocrática do TJAM confirma que a distribuidora responde objetivamente por danos elétricos e deve ressarcir valores pagos a título de indenização. O Tribunal de...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Valor da indenização por erro em cartão deve considerar o porte econômico do banco, diz Justiça

A fixação do valor de uma indenização por dano moral decorrente de equívoco em contrato bancário deve levar em...

Seguradora tem direito de reembolso por indenizar falhas da Amazonas Energia, decide Justiça

Decisão monocrática do TJAM confirma que a distribuidora responde objetivamente por danos elétricos e deve ressarcir valores pagos a...

Condições de trabalho agravaram síndrome pós-poliomielite de bancária

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Itaú Unibanco S.A. a pagar indenizações por danos morais...

Supermercado deve indenizar consumidor que comprou carne estragada

A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve a sentença que condenou a Bravo Comércio Alimentos...