A produção antecipada de provas pode ser admitida quando demonstrados o interesse processual e a utilidade da perícia para esclarecer dúvidas relevantes constantes de prontuário médico, especialmente em casos que envolvem suspeita de erro médico e eventual responsabilização futura, definiu o Juiz Ronne Frank Torres Stone, da Vara da Fazenda Pública em Manaus.
A produção antecipada de provas prevista no artigo 381, inciso III, do Código de Processo Civil tem se consolidado como um instrumento de equilíbrio no tratamento judicial de casos sensíveis envolvendo possível erro médico. Antes de qualquer ação indenizatória — e sem antecipação de culpa —, o Judiciário pode ser provocado a viabilizar perícia técnica em prontuário médico, permitindo o esclarecimento prévio dos fatos e a qualificação da decisão que eventualmente venha a ser tomada no futuro.
Esse foi o contexto analisado em processo ajuizado pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas em favor de familiar de paciente falecida após tratamento oncológico realizado na Fundação Centro de Controle de Oncologia (FCECON). A medida não teve caráter condenatório nem buscou imputar responsabilidade civil, mas sim obter, por via judicial, a produção antecipada de prova pericial sobre os prontuários médicos, a fim de verificar se havia elementos técnicos que justificassem o ajuizamento de demanda indenizatória.
Ao apreciar o pedido, o juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública reconheceu que a produção antecipada de provas possui natureza não contenciosa e finalidade informativa, voltada ao direito autônomo à prova. Com base nesse entendimento, determinou a apresentação dos prontuários e admitiu a realização de perícia médica judicial, ressaltando que a atuação jurisdicional, nessa fase, se limita a assegurar a regularidade da prova, sem emissão de juízo de valor sobre o mérito ou sobre eventual responsabilidade.
A perícia foi regularmente produzida, com laudo técnico que analisou a conduta médica adotada durante o tratamento, os protocolos utilizados e a evolução clínica da paciente. Concluída a prova, o magistrado homologou o laudo e extinguiu o processo sem resolução do mérito, em estrita observância ao artigo 382, §4º, do CPC, que veda julgamento de mérito e condenação em honorários nesse tipo de procedimento.
Na sentença, o juízo destacou que a finalidade da ação foi integralmente alcançada: o prévio conhecimento técnico dos fatos permitiu esclarecer a controvérsia médica sob perspectiva imparcial, cumprindo o papel informativo próprio da produção antecipada de provas. A decisão também ressaltou que a homologação da perícia não vincula nem impede eventual ação futura, caso a parte entenda cabível, mas tampouco autoriza conclusões automáticas sobre responsabilidade.
O caso ilustra como a antecipação de provas, longe de representar um atalho processual, funciona como mecanismo de racionalização da Justiça. Ao mesmo tempo em que assegura à família o direito de acesso à informação técnica qualificada, preserva o hospital e os profissionais de saúde de acusações prematuras, deslocando o debate do campo da suspeita para o da prova.
Processo n. : 0481221-46.2023.8.04.0001
