Impedir a oitiva da ofendida e absolver o réu é um paradoxo, diz relator ao derrubar sentença absolutória

Impedir a oitiva da ofendida e absolver o réu é um paradoxo, diz relator ao derrubar sentença absolutória

Decisão unânime considerou que a falha técnica impediu a participação da vítima e suprimiu o prazo de recurso. Tribunal apontou cerceamento de acusação e determinou nova audiência no juízo de origem.

A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) anulou, por unanimidade, a sentença absolutória em um processo de violência doméstica, após reconhecer que houve violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A decisão foi proferida em mandado de segurança impetrado pela vítima contra ato do 5º Juizado Especializado da Violência Doméstica (Maria da Penha), que havia absolvido o réu e decretado o trânsito em julgado no mesmo ato. O caso foi relatado pelo desembargador Jorge Manoel Lopes Lins.

O caso teve origem em ação penal contra um ex-companheiro da vítima, acusado de ameaça. No dia da audiência de instrução, realizada por videoconferência, a vítima e seu advogado não conseguiram acessar a sala virtual da plataforma Google Meet por falha técnica comprovada. Apesar das tentativas de ingresso e do contato com a secretaria da Vara, o juízo considerou a parte como ausente. Diante disso, o Ministério Público desistiu da oitiva, a defesa abriu mão de suas testemunhas e o acusado foi absolvido por falta de provas, com a declaração imediata do trânsito em julgado, o que inviabilizou qualquer recurso.

Em seu voto, o relator, desembargador Jorge Manoel Lopes Lins, afirmou que “o direito da impetrante de participar da audiência de instrução e julgamento é corolário dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”. Segundo ele, ficou demonstrado que a ausência não foi voluntária: “As capturas de tela são claras ao exibir a tela de espera da plataforma Google Meet, indicando que o advogado da vítima aguardava a permissão do organizador para ingressar na chamada. As mensagens trocadas com a secretaria do juízo reforçam a diligência da parte em tentar solucionar o impasse em tempo real”.

O magistrado destacou ainda que “a falha em admitir uma parte que aguarda para entrar na sala virtual caracteriza um grave error in procedendo, cujas consequências não podem ser suportadas pela parte prejudicada”. Para ele, a gravidade é maior em se tratando de violência doméstica: “Impedir a oitiva da ofendida por uma falha de procedimento e, em seguida, absolver o réu por falta de provas é um paradoxo que esvazia a tutela jurisdicional prometida pela Lei n.º 11.340/2006”.

Lins concluiu que o ato processual resultou em um “flagrante cerceamento de acusação”, uma vez que considerar a vítima como ausente gerou uma cadeia de eventos que culminou na absolvição e no trânsito em julgado imediato, impedindo a manifestação da assistente de acusação. Assim, afirmou que “o direito líquido e certo da impetrante de ser ouvida e de contribuir para a busca da verdade real foi inegavelmente violado“.

Com isso, o colegiado declarou a nulidade da audiência e da sentença, determinando o retorno do processo ao juízo de origem para designação de nova audiência de instrução, com as cautelas necessárias para assegurar o acesso de todas as partes.

Processo: 4000447-58.2024.8.04.9000

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