Corte reafirma que, em contexto de violência doméstica, o crime de ameaça é formal e basta o anúncio de mal grave para justificar a denúncia
Ameaças, ainda que expressas em palavras, do tipo “sou capaz de matar se te vir com outro”, configuram crime de ameaça e autorizam o recebimento da denúncia, por revelarem potencial de causar temor à vítima e atingirem bem jurídico tutelado pelo art. 147 do Código Penal.
O entendimento foi reafirmado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) que reconheceu a presença de justa causa para a ação penal em caso de violência doméstica.
Contexto do caso
A denúncia oferecida pelo Ministério Público do Amazonas narrou que o acusado teria ameaçado de morte sua ex-companheira após o término do relacionamento, inclusive por meio de mensagens em redes sociais. O juízo de primeiro grau rejeitou a acusação, ao fundamento de que a narrativa seria genérica e destituída de elementos concretos de ameaça.
O TJAM, contudo, reformou a decisão ao julgar recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, afirmando que a denúncia preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo de modo claro o fato, a autoria e as circunstâncias do crime. Para o colegiado, o histórico de violência e a palavra da vítima formavam lastro probatório mínimo suficiente para a deflagração da ação penal.
Crime de ameaça é de natureza formal
Segundo o acórdão estadual, não se exige a concretização do mal prometido para a consumação do delito, bastando que o anúncio de ofensa chegue ao conhecimento da vítima e seja idôneo a incutir-lhe temor real. “Descabe concluir que, dentro do contexto da violência doméstica e familiar, expressões assacadas pelo companheiro da vítima e a estas diretamente destinadas, após o término do relacionamento, do tipo ‘sou capaz de matar se a vir com outro’, consubstanciem mera desavença verbal destituída de relevância penal”, registrou o Tribunal amazonense.
STJ confirma decisão e afasta tese de narrativa genérica
O caso chegou ao STJ por meio de agravo em recurso especial (AREsp nº 3.017.149/AM), no qual a defesa insistia na tese de inépcia da denúncia e ausência de justa causa.
Ao analisar o recurso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca entendeu que o trancamento da ação penal é medida excepcional, admitida apenas quando, de plano, se verifica atipicidade da conduta, inexistência de indícios de autoria ou causa extintiva da punibilidade — hipóteses ausentes no caso.
Para o relator, rever a conclusão das instâncias ordinárias sobre a suficiência das provas exigiria reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. O ministro destacou que a denúncia descreveu a conduta de modo preciso, permitindo o exercício da ampla defesa, e que a palavra da vítima, em contexto de violência doméstica, possui relevância probatória acentuada.
Princípio in dubio pro societate
Ao não conhecer do recurso especial, o STJ reafirmou o entendimento de que, na fase de recebimento da denúncia, prevalece o princípio in dubio pro societate: havendo indícios mínimos de autoria e materialidade, o processo deve seguir para instrução, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Com a decisão, ficou mantido o acórdão do TJAM que determinou o prosseguimento da ação penal contra o acusado, reconhecendo que o crime de ameaça é formal e se consuma com o simples anúncio de mal grave dirigido à vítima, independentemente de sua execução.
AREsp 3017149