Não é o mero instinto externado em ações de agentes da segurança pública que deve ser validado pelo Poder Judiciário para a configuração da legalidade da apreensão de drogas que estejam sob a guarda, depósito, armazenamento ou qualquer das condutas descritas na lei repressiva, que sejam, em tese, evidenciadas, com a entrada de policiais na casa do pretenso suspeito pelo tráfico do material entorpecente proibido, daí advindo a apreensão do produto ilícito. O que o Poder Judiciário deve apreciar, quando se alega que houve violação do domicilio na busca e apreensão do material entorpecente aferido pela polícia é a circunstância jurídica de que o agente esteve na situação de flagrante delito. Somente a hipótese do flagrante delito autoriza o ingresso na casa sem o consentimento do morador.
O tráfico de drogas é crime permanente, bastando que o agente do delito incida em uma das 18 condutas descritas na lei 11.343/2006. Mas, a Polícia não pode criar a hipótese de um flagrante delito em encenação de sua própria criatividade. Entende-se em flagrante delito quem esteja cometendo a infração, acaba de cometê-la, é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele, o pretenso suspeito, o autor da infração.
Não havendo nenhuma dessas circunstâncias não há flagrante delito. Daí o STJ afastar o ‘instinto’ da polícia. O flagrante deve se configurar antes mesmo da entrada dos agentes policiais no recinto onde são encontradas as substâncias entorpecentes, e a polícia deve ter prévias informações, concretas, à despeito da existência de elementos apontando certeiramente para a prática do crime de tráfico de drogas na residência dos réus, o que autorizará a violação do domicílio, sem mandado judicial, por uma exceção prevista constitucionalmente.
Afora essas circunstâncias, o que resta será apenas fatos que, levados à investigação, não encontrarão supedâneo legal para subsistirem dentro do mundo da legalidade, mormente ante a não apreensão das drogas por meio de mandado judicial, restando uma mera iniciativa da polícia, instintiva, que poderá ser corrigida por meio de habeas corpus, se for a hipótese de que reste evidenciado o constrangimento ilegal.
Importa a incidência de diligências preliminares, em fundadas razões, que justifique a ação policial para a garantia da ordem pública e da qual possa resultar a apreensão do material entorpecente sem a necessária expedição de mandado judicial. No caso concreto, o Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra Ana Carolina Possamai, como incursa nas penas do artigo 33, caput da Lei 11.343/2006 e Andrius dos Santos Ferreiras, pela prática do mesmo crime.
No caso concreto os acusados foram encontrados com substância entorpecente em seu veículo, durante abordagem policial, e houve relatos de que havia mais substância entorpecentes na residência do casal, o que levou a polícia a adentrar no domicílio dos flagranteados. O caso foi levado, por meio de apelação ao Tribunal de Justiça do Paraná, que, apreciando o recurso, fundamentou que houve fundadas razões para o ingresso da policia na caso dos suspeitos, porque se cuidava de hipótese de flagrante delito, não se podendo afastar a legalidade da apreensão das drogas decorrentes da busca efetuada sem mandado judicial, se afastando o pedido de nulidade dos recorrentes.
Processo nº 0000932-29.2021.8.16.0196. 2ª Vara Criminal da Região Metropolitana de Curitiba. Apelação Criminal Tribunal de Justiça do Paraná