Por João de Holanda Farias, Advogado e Egresso do MPAM
O Ministério Público brasileiro é, por designação constitucional, uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado. Seu papel transcende o da acusação penal: ele é o fiscal da ordem jurídica, o defensor dos interesses sociais e dos direitos indisponíveis. No entanto, a prática forense revela um fenômeno cada vez mais visível — e preocupante: a transformação dessa atuação em um ritual meramente formal, esvaziado de substância.
Embora o órgão deva ser regularmente intimado para atuar em muitos conflitos de interesse que, em essência, transcendem soluções individuais — como exige o Código de Processo Civil — observa-se que, por muitas vezes, Promotores de Justiça optam por não se manifestar sobre o mérito da causa, sob o entendimento de que não há matéria envolvendo interesse público primário ou direito indisponível.
Aparentemente técnico e juridicamente correto, esse procedimento revela, no entanto, uma contradição latente: por um lado, a ordem jurídica impõe a intimação obrigatória do Parquet sob pena de nulidade; por outro, o próprio órgão reconhece não haver causa que justifique sua atuação efetiva. O resultado? O Ministério Público participa, mas não intervém; acompanha, mas não contribui; figura no processo, mas não no debate. Um paradoxo institucional que clama por revisão.
Essa disfunção revela uma face do que se poderia chamar de formalismo estéril — o cumprimento de obrigações processuais desprovidas de real impacto na solução do litígio ou na proteção de valores constitucionais. Trata-se de um uso do aparato estatal que consome tempo, desloca recursos e congestiona ainda mais a já sobrecarregada estrutura do Judiciário, sem agregar substância ao processo.
O problema não é novo, tampouco exclusivo de uma região ou de um ramo do direito. Ele se reproduz em milhares de feitos cíveis e administrativos em que o Ministério Público é chamado a se manifestar apenas porque a letra da lei assim determina, mesmo quando não há interesse social, difuso, coletivo ou individual indisponível em jogo.
É chegada a hora de enfrentarmos esse problema de forma aberta e madura. Isso não significa reduzir o papel do Ministério Público ou fragilizar o controle institucional que exerce, mas sim otimizá-lo com inteligência e responsabilidade, permitindo que sua força esteja concentrada onde ela verdadeiramente importa. Para tanto, é necessário revisar normas que impõem intimações automáticas e expandir critérios objetivos que justifiquem sua intervenção, sob pena de perpetuarmos uma atuação que, embora formalmente correta, se mostra materialmente inócua.
No tempo da sociedade de massas e do litígio em escala, a eficiência não é luxo — é dever republicano. E um Ministério Público forte, proativo e estratégico é um dos pilares dessa nova racionalidade processual. O que não se pode mais aceitar é que a instituição seja chamada a atuar apenas para cumprir tabela.
A legitimidade do Ministério Público nasce da Constituição, mas se consolida no cotidiano da sua atuação. E para que essa atuação faça sentido, precisa ser necessária, substantiva e transformadora — jamais meramente simbólica.