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Basta que seja virtual: crime sexual contra criança se configura sem presença física, diz STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o crime de satisfação de lascívia na presença de criança ou adolescente dispensa a presença física da vítima, sendo suficiente a visualização do ato libidinoso por meio de transmissão virtual em tempo real, como ocorre em chamadas por webcam.

A decisão foi tomada no julgamento relatado pelo ministro Sebastião Reis Júnior, no qual o colegiado deu provimento ao recurso do Ministério Público do Estado da Bahia para restabelecer a condenação de um homem pelo crime de satisfazer o próprio desejo sexual, como definido no artigo 218-A do Código Penal. 

O caso envolve réu condenado em primeira instância por crimes de aliciamento virtual de crianças e prática de atos libidinosos transmitidos ao vivo para vítimas menores de 14 anos. O Tribunal de Justiça da Bahia havia promovido emendatio libelli para afastar a incidência do artigo 218-A do Código Penal, sob o argumento de que o tipo penal exigiria a presença física da criança no mesmo ambiente do agente.

Ao reformar o acórdão, o STJ afastou essa interpretação restritiva. Segundo o relator, o núcleo do tipo penal consiste em praticar ato libidinoso ou induzir o menor a presenciar a prática, não havendo, na literalidade da norma, exigência de coabitação física. Para o ministro, “presenciar” significa assistir ou visualizar, sendo plenamente atendida essa elementar quando a criança acompanha o ato por meio de transmissão audiovisual em tempo real.

No voto, Sebastião Reis Júnior destacou que a mediação tecnológica não elimina a presença da vítima, mas apenas qualifica sua modalidade, sendo incompatível com a realidade contemporânea restringir a proteção penal apenas a situações de contato físico. A Corte ressaltou que a dignidade sexual da criança ou adolescente é igualmente violada quando a exposição ocorre em ambiente virtual.

O colegiado também observou que a própria evolução legislativa reforça essa compreensão. A Lei 13.441/2017, que autorizou a infiltração de agentes policiais na internet para investigar crimes sexuais, incluiu expressamente o artigo 218-A do Código Penal, o que evidencia o reconhecimento legislativo de que tais delitos podem ser cometidos no meio digital.

Com a decisão, o STJ restabeleceu a subsunção da conduta ao crime de satisfação de lascívia na presença de criança ou adolescente e determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para nova dosimetria da pena. Para a Corte, interpretar o tipo penal de forma a excluir a presença virtual criaria uma lacuna de proteção incompatível com o dever constitucional de tutela integral da criança e do adolescente.

Recurso Especial 2.107.993