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STF firma tese de que crimes contra a democracia devem ser analisados em contexto histórico

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal consolidou, por maioria, o entendimento de que crimes contra a democracia não podem ser avaliados como fatos isolados, mas à luz de seu contexto histórico e institucional. O julgamento resultou na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros delitos previstos no Código Penal. O único voto divergente foi o do ministro Luiz Fux, que sustentou a insuficiência de provas para subsumir os fatos à tipificação penal.

Contexto em exame

No cerne da discussão estava a interpretação dos artigos 359-M e 359-L do Código Penal, que tratam da abolição violenta do Estado democrático de Direito e do golpe de Estado. Enquanto Fux avaliou que não houve demonstração suficiente de violência ou grave ameaça para enquadrar Bolsonaro nos tipos penais, a maioria —formada por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia— considerou que a tutela jurídica recai sobre a paz pública e as instituições democráticas, e não apenas sobre a integridade de pessoas individualmente determinadas.

Fundamentos históricos

A ministra Cármen Lúcia destacou, com apoio em obras de Heloisa Starling, Carlos Fico e Newton Bignotto, que golpes não se concretizam em um único dia, mas se constroem a partir de cadeias de eventos concatenados, a exemplo do que ocorreu no Brasil em 1964. Assim, defendeu que a tentativa de subversão democrática de 2022 deveria ser compreendida como processo contínuo, que culminou nos atos de violência de 8 de janeiro de 2023 e em planos como o de atentar contra autoridades.

Cristiano Zanin, ao acompanhar a maioria, reforçou que a violência exigida pelos tipos penais não se restringe ao aspecto físico ou individual, podendo se manifestar como “coação institucional” contra órgãos do Estado. Para ele, o bem jurídico protegido é coletivo, e a agressão visou à estabilidade das instituições republicanas, em especial a Justiça Eleitoral.

Divergência isolada

Na contramão, o ministro Luiz Fux defendeu que os atos narrados pela Procuradoria-Geral da República não evidenciaram vínculo suficiente para caracterizar a tentativa de golpe. Para ele, cada evento deveria ser examinado em si mesmo, sem presunção de conexão, o que fragilizaria a imputação de violência ou grave ameaça às instituições.

Consolidação da tese

Especialistas apontam que prevaleceu, entre os ministros, a visão de que a tentativa de golpe é um fenômeno complexo, formado por uma sequência de atos que, considerados em conjunto, revelam a intenção de subverter a ordem constitucional. O entendimento reforça a leitura de que a subsunção penal pode alcançar não apenas ataques diretos a pessoas, mas também agressões sistêmicas contra o Estado e suas instituições.