A inclusão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista de sanções da Lei Magnitsky, pelo governo dos Estados Unidos, inaugurou um cenário inédito para o sistema financeiro brasileiro e provocou forte repercussão nos setores jurídico e bancário.
A aplicação da medida, considerada sem precedentes no país, colocou os grandes bancos nacionais diante de uma encruzilhada jurídica e regulatória: cumprir ou não as determinações da legislação estrangeira?
O impasse é evidente. Instituições financeiras que mantêm operações nos Estados Unidos ou realizam transações em dólar vislumbram riscos concretos caso ignorem as sanções.
Parte do corpo executivo e de compliance dessas entidades entende que, diante da inclusão de Moraes na lista de designados pelo Tesouro americano, haveria necessidade de encerrar relações contratuais com o ministro, sob pena de sanções extraterritoriais aos próprios bancos.
Outra corrente, contudo, sustenta que o alcance da medida deve se restringir a operações diretamente vinculadas ao sistema financeiro norte-americano, como investimentos dolarizados, contas bancárias em jurisdição americana e uso de cartões internacionais.
O desconforto institucional chegou à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Enquanto a primeira articula uma solução conjunta para orientar os associados, a segunda analisa a possibilidade de provocar o STF, em busca de um posicionamento que impeça a aplicação doméstica das sanções, por contrariar a soberania nacional e a ordem jurídica brasileira.
A tensão também alcança o Banco do Brasil, responsável pela folha de pagamentos do Supremo Tribunal Federal. Com agências em território americano e atuação relevante no câmbio, a instituição adotou postura de discrição institucional, limitando-se a invocar o sigilo bancário para não comentar movimentações de clientes.
Entre a lei brasileira e a pressão internacional
Embora a nota oficial do Departamento do Tesouro dos EUA seja genérica ao afirmar que os bens de Moraes “nos Estados Unidos ou em posse de cidadãos norte-americanos” devem ser bloqueados e reportados à OFAC (Office of Foreign Assets Control), a incerteza recai sobre os limites da aplicação dessa norma em território brasileiro.
Fato inerradável é que empresas com atuação nos dois países enfrentarão pressão para aplicar a sanção também no Brasil, mas poderão ser responsabilizadas judicialmente por violar contratos regidos pela legislação brasileira.
O risco de um conflito normativo — entre o cumprimento da sanção estrangeira e a observância da legislação interna — traz insegurança às instituições. No Brasil, bancos podem recusar a abertura ou manutenção de contas sem necessidade de justificar a decisão, mas, no caso de Moraes, qualquer medida baseada explicitamente na sanção estrangeira poderá ser judicialmente contestada.
Alerta para impacto sistêmico
Criada em 2012 para punir responsáveis pelo assassinato do advogado russo Sergei Magnitsky, opositor do regime de Vladimir Putin, a Lei aplicado por Trump a Alexandre de Moraes ganhou contornos amplos em 2016, permitindo a aplicação de sanções por violações de direitos humanos ou corrupção, mesmo sem decisão judicial condenatória.
Compliance transnacional e limites do poder estrangeiro
O sistema bancário brasileiro, por sua vez, já adota mecanismos de compliance que incluem a observância a sanções internacionais, muitas vezes em cooperação com organismos multilaterais. Na prática, nomes incluídos em determinadas listas restritivas internacionais já enfrentam limitações para abertura de contas, acesso a crédito e movimentações em dólar — sem necessidade de decisão judicial local.
A novidade, neste caso, reside na colisão entre o poder unilateral de um governo estrangeiro e a autoridade de um magistrado da mais alta Corte brasileira. A depender da reação institucional — especialmente do STF e da PGR — o episódio poderá definir os contornos futuros da soberania normativa brasileira frente a sanções extraterritoriais.
Enquanto isso, os bancos caminham entre o receio da retaliação americana e o risco de judicialização no Brasil.