Em apreciação de matéria de direito penal no âmbito da violência doméstica, em julgamento de recurso interposto pelo Promotor de Justiça Weslei Machado contra sentença condenatória em face de C.M.F, o Desembargador João Mauro Bessa concluiu que a circunstância na qual possa ter sido colocada a vítima, de ter receio de mal injusto e grave que fora prometido pelo agente do delito constitui-se em elemento que integra o próprio tipo penal descrito no artigo 147 do CP, não podendo o juiz, na fase de aplicação da pena privativa de liberdade se utilizar desse detalhe para tornar a pena mais censurável, deixando de acolher, assim, pedido da acusação para agravar a pena.
A decisão se encontra nos autos de processo nº 0000597-09.2019.8.04.4401, com origem na Vara de Humaitá. Nos autos se acusou o Réu, depois de discutir com a vítima, movido por ciúme, aplicar-lhe um soco por supor que a mesma estava tendo um caso com um amigo de seu irmão, prometendo-lhe que se lhe visse na rua lhe meteria a ‘porrada’.
Se o modo de agir do acusado não extravasou as figuras constitutivas da conduta criminosa descrita na lei penal, não se pode admitir a negativação das circunstâncias dos delitos para o fim de exasperação da pena base, firmou o julgado, com a mesma linha de postura jurídica em face de abalos ou transtornos mentais decorrentes das lesões e da ameaça, também ditos como circunstâncias agravantes pela acusação.
No entanto, quanto aos motivos do crime, o Relator fez observar que deva ser admissível a valoração negativa, com parcial provimento do apelo, pois, “na hipótese é possível o incremento da pena base em decorrência da valoração negativa dos motivos do crime, na medida em que o ciúme como causa propulsora dos delitos de ameaça e lesão corporal praticados no âmbito da violência doméstica e familiar, enquanto reflexo das estruturas de dominação do homem sobre a mulher, revela maior reprovabilidade da conduta”, decidiu o julgado.
Leia o acórdão:
Processo: 0000597-09.2019.8.04.4401 – Apelação Criminal, 1ª Vara de Humaitá
Apelante : Ministério Público do Estado do Amazonas. Promotor : Weslei Machado. Relator: João Mauro Bessa. Revisor. APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO MINISTERIAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL E AMEAÇA – DOSIMETRIA – PENA-BASE – IRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DOS DELITOS INERENTES AOS TIPOS PENAIS – NEGATIVAÇÃO INVIÁVEL – MOTIVOS DOS CRIMES – DESVALORAÇÃO – CIÚME COMO REFLEXO DAS ESTRUTURAS DE DOMINAÇÃO MASCULINA – REPROVABILIDADE ACENTUADA – ELEVAÇÃO DA PENA-BASE – POSSIBILIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. Se o modus operandi dos delitos não desborda dos elementos normais dos tipos penais violados, inviável a negativação das circunstâncias dos delitos para o fim de exasperação da pena-base. 2. O medo causado pela promessa de mal injusto e grave feita pelo agente trata-se de elemento ínsito ao delito de ameaça, razão pela qual, no caso dos autos, mostra-se indevida a negativação das consequências em razão do temor da vítima, já que os elementos inerentes ao delito não podem funcionar como fator de exasperação da pena. Da mesma maneira, a mera menção genérica a suposto abalo psicológico sofrido pela ofendida, sem a devida comprovação de repercussões extraordinárias do crime e de transtornos mentais dele decorrentes, não autoriza a valoração negativa da vetorial em questão. Precedentes.3. Na hipótese, é possível o incremento da pena-base em decorrência da valoração negativa dos motivos do crime, na medida em que o ciúme como causa propulsora dos delitos de ameaça e lesão corporal praticados no âmbito doméstico e familiar, enquanto reflexo das estruturas de dominação do homem sobre a mulher, revela a maior reprovabilidade da conduta.4. Não há um critério matemático impositivo estabelecido pela jurisprudência para o cálculo da pena-base, admitindo-se, no caso concreto, a aplicação da fração de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância judicial desabonadora, a incidir sobre o intervalo entre as penas máxima e mínima prevista no preceito secundário de cada tipo penal incriminador. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido..