Câmaras Reunidas reconhecem que a universidade indicada como autoridade coatora, a UEA, não pode negar colação antecipada quando preenchidos os requisitos da Lei nº 14.040/2020. Tribunal também aplicou a teoria do fato consumado e reafirmou o princípio da segurança jurídica.
As Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) confirmaram o direito de um estudante da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) à colação antecipada de grau em Medicina durante o período da pandemia de Covid-19. O colegiado reformou sentença da 2ª Vara da Fazenda Pública de Manaus que havia denegado mandado de segurança, sob o argumento de inexistência de direito líquido e certo e de que a medida teria caráter discricionário da instituição de ensino.
A decisão foi proferida no julgamento de recurso sob a relatoria do Desembargador Cláudio César Ramalheira Roessing, em sessão realizada no dia 24 de setembro de 2025.
Liminar garantiu a formatura e a posse em cargo público
Antes do julgamento do mérito, o impetrante havia obtido liminar em agravo de instrumento que lhe permitiu colação de grau antecipada, possibilitando o registro no Conselho Regional de Medicina, a posse no cargo de Médico Clínico Geral da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (SEMSA) e, posteriormente, sua incorporação às Forças Armadas como médico militar.
No recurso de apelação, a defesa sustentou a perda superveniente do objeto e invocou a teoria do fato consumado, argumentando que a revogação da liminar e a denegação da segurança, após a consolidação dos efeitos da decisão antecipatória, violariam os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.
Lei nº 14.040/2020 e Resolução interna da UEA fixam critérios objetivos
O relator destacou que tanto a Lei Federal nº 14.040/2020 quanto a Resolução nº 7/2020-GR/UEA fixaram critérios objetivos para a concessão da colação antecipada de grau a alunos de cursos da área da saúde durante o estado de calamidade pública.
O art. 3º, §2º, I, da lei federal, prevê que a antecipação é possível aos estudantes de Medicina que tenham concluído ao menos 75% da carga horária do internato, enquanto a norma institucional da UEA exige 80% da carga horária total do curso.
Nos autos, o impetrante comprovou ter atingido 96% da carga horária teórica e 88% do internato médico, atendendo integralmente aos requisitos legais e regulamentares.
Discricionariedade administrativa não pode suprimir direito líquido e certo
Ao reconhecer o direito do estudante, o desembargador Roessing afirmou que não se trata de reexaminar a conveniência administrativa, mas de controlar a legalidade de um ato que contrariou norma objetiva.
“A postergação injustificada da colação de grau impede o exercício profissional e viola o direito fundamental à educação, previsto no art. 208, V, da Constituição Federal”, registrou o relator.
O voto ressaltou ainda que a situação sanitária e o atraso no calendário acadêmico da UEA — cuja colação regular ocorreu apenas em novembro de 2022 — justificavam plenamente a aplicação do regime excepcional previsto na Lei nº 14.040/2020.
Aplicação da teoria do fato consumado e da segurança jurídica
Diante da efetiva conclusão do curso, posse no cargo público e exercício da profissão sob amparo judicial, as Câmaras Reunidas aplicaram a teoria do fato consumado, reconhecendo que a anulação da colação de grau traria insegurança jurídica e prejuízo irreparável.
“Após a concessão da liminar e a concretização de seus efeitos, não há razoabilidade em desconstituir atos válidos praticados sob tutela judicial, sobretudo diante do cumprimento integral dos requisitos legais”, consignou o acórdão.
Jurisprudência consolidada no Tribunal
O colegiado citou precedente das próprias Câmaras Reunidas — Remessa Necessária Cível nº 0776845-12.2021.8.04.0001, de relatoria do Desembargador Paulo César Caminha e Lima — que reafirmou a obrigatoriedade da colação antecipada de grau em favor de estudantes que comprovem o cumprimento dos percentuais mínimos exigidos em lei.
Com a decisão, o TJAM reformou a sentença de primeiro grau, concedendo a segurança e confirmando os efeitos da liminar que autorizou a formatura.
Apelação Cível nº 0754273-28.2022.8.04.0001