O formalismo excessivo e a exigência em duplicidade de documentos configuram vício capaz de comprometer a lisura e a competitividade dos certames públicos. Quando a Administração, em vez de privilegiar a finalidade do ato, insiste em rigor meramente burocrático, afasta licitantes idôneos e enfraquece o próprio interesse público que deveria resguardar.
Foi sob esse prisma que o Conselheiro Érico Xavier Desterro e Silva, do Tribunal de Contas do Amazonas suspendeu o Pregão Eletrônico nº 031/2025, da Prefeitura de Presidente Figueiredo, reconhecendo que a inabilitação de empresas se deu por critérios desproporcionais e destituídos de razoabilidade.
A representação foi apresentada pela empresa Mix Premium Ltda., que apontou duas falhas centrais: Exigência duplicada de declaração contábil – embora o edital previsse a apresentação de balanço patrimonial e DRE, ambos registrados na Junta Comercial (JUCEA), também exigiu, de forma isolada, uma declaração adicional assinada por profissional da área contábil. Para o relator, tratou-se de formalismo desnecessário, já que a finalidade da norma estava atendida com os documentos obrigatórios.
Ausência de clareza na análise da apólice de seguro garantia – o pregoeiro alegou que a apólice não pôde ser validada no sistema SUSEP, mas não indicou a irregularidade específica, em desacordo com o art. 64, §1º, da Lei 14.133/2021. Posterior consulta ao portal oficial da SUSEP confirmou a regularidade do documento.
Além disso, verificou-se a indevida acumulação de funções pelo mesmo agente público, em ofensa ao princípio da segregação de funções previsto no art. 7º, §1º, da nova Lei de Licitações.
O prefeito Antônio Fernando Fontes Vieira, o agente de contratação Edson Correia Brasil e o pregoeiro Renan Lima de Souza sustentaram que a inabilitação decorreu do não cumprimento literal das exigências editalícias, e que a plataforma eletrônica de pregão possui mecanismo próprio de aferição de validade das apólices. Alegaram ainda que os licitantes tiveram oportunidade de recurso administrativo, mas permaneceram inertes.
Para o relator, o rigor desproporcional na interpretação do edital restringiu indevidamente a competição, afastando empresas aptas a ofertar propostas mais vantajosas. O tribunal destacou que a nova Lei de Licitações busca privilegiar a finalidade sobre a forma, evitando o chamado formalismo pelo formalismo.
Ao constatar a ausência de justificativa concreta para a inabilitação da apólice e o excesso de rigor na exigência contábil, o TCE concluiu pela presença dos requisitos do fumus boni iuris (plausibilidade do direito) e do periculum in mora (risco da demora), já que o pregão ainda estava em curso e a manutenção do certame poderia consolidar prejuízos à competitividade.
Com base no art. 42-B da Lei Orgânica do TCE/AM (LC nº 204/2020), foi deferida medida cautelar para suspender integralmente o processo licitatório, proibindo a prática de novos atos até a correção das falhas. A Prefeitura foi intimada a comprovar, em 10 dias úteis, a adoção das medidas de suspensão e, em 15 dias, apresentar documentos e justificativas.