A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, afetar ao rito dos recursos repetitivos a discussão sobre a licitude da prova obtida por espelhamento de aplicativo de mensagens, como o WhatsApp Web, em investigações penais. O tema foi proposto pelo ministro Rogério Schietti Cruz, relator do Recurso Especial nº 2.052.194/MG, interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais.
O que está em debate
O STJ vai definir se é válida a prova produzida a partir do acesso remoto a conversas de investigados por meio de espelhamento — técnica em que o conteúdo do aplicativo de mensagens é acompanhado em tempo real a partir de outro dispositivo, sem a extração formal de dados.
O que é o espelhamento do WhatsApp:
É a sincronização do aplicativo com um computador, via WhatsApp Web, permitindo visualizar e até interagir com as conversas do titular do celular. Essa técnica é legítima quando usada pelo próprio usuário, mas gera controvérsia quando empregada pela polícia para acompanhar comunicações privadas, pois pode representar quebra de sigilo telemático, protegido pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia anulado condenações de investigados por tráfico de drogas, ao entender que as provas colhidas via espelhamento seriam ilícitas, por violarem o sigilo das comunicações. O Ministério Público recorreu, sustentando que o procedimento possui respaldo legal e que não houve manipulação indevida de mensagens pelos agentes.
Argumentos do Ministério Público
No recurso, o MP alegou violação a dispositivos da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), da Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e do Código de Processo Penal, defendendo que o espelhamento é técnica idônea e proporcional quando autorizada judicialmente.
Segundo o órgão, a mera possibilidade de interação dos investigadores não torna a prova nula, e presumir fraude sem indícios concretos seria indevido. Pediu, portanto, o reconhecimento da validade das provas e o restabelecimento da condenação.
Relevância e divergência jurisprudencial
O relator, ministro Rogério Schietti Cruz, ressaltou que o tema tem repercussão prática expressiva e decisões divergentes nas duas turmas criminais do STJ.
Segundo levantamento de seu gabinete, há 10 acórdãos e 174 decisões monocráticas sobre o uso de espelhamento em investigações, revelando insegurança jurídica e necessidade de uniformização.
Afetação como tema repetitivo
Com base nos arts. 1.036 do CPC e 256, I, do Regimento Interno do STJ, Schietti propôs a afetação do recurso como representativo de controvérsia, proposta acolhida por unanimidade pela Terceira Seção. O colegiado, no entanto, decidiu não suspender os demais processos que tratam do mesmo tema até o julgamento final do repetitivo.
Próximos passos
A decisão servirá de precedente qualificado e deverá orientar todos os tribunais do país sobre a licitude ou não de provas obtidas por espelhamento de aplicativos de mensagens. O relator determinou comunicação aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, além de abrir prazo para manifestação do Ministério Público Federal, conforme o art. 1.038, III, do CPC e o art. 256-M do RISTJ.
Contexto jurídico
O debate põe em confronto dois valores constitucionais: a eficácia da persecução penal, e a inviolabilidade das comunicações privadas. Parte da jurisprudência entende que o espelhamento é admissível quando há ordem judicial e controle técnico do acesso; outra parte, porém, sustenta que a técnica permite interferência ativa nas conversas e, portanto, configura violação de sigilo telemático.
O julgamento do STJ deverá fixar parâmetros objetivos sobre o uso dessa tecnologia, delimitando quando ela é uma ferramenta legítima de investigação e quando passa a ser prova ilícita.
Processo: REsp nº 2.052.194/MG