O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento da Terceira Seção, firmou entendimento de que os cuidados maternos dispensados por presidiária a filho recém-nascido em ala de amamentação configuram “trabalho” para fins de remição da pena, mediante interpretação extensiva do art. 126 da Lei de Execução Penal. A decisão reconhece a importância da amamentação e da maternidade como atividades que exigem esforço contínuo e devem ser equiparadas às formas clássicas de labor prisional.
Contexto do caso
A Defensoria Pública de São Paulo impetrou habeas corpus em favor de uma condenada F contra acórdão do TJ-SP que negara o cômputo de remição pelo período em que a sentenciada permaneceu em ala de amamentação cuidando do filho. O Tribunal estadual entendeu que tais cuidados decorriam de dever constitucional e não poderiam ser equiparados a trabalho.
Fundamentos da decisão
O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que: A Constituição (art. 7º, XVIII) reconhece o afastamento da mulher para cuidados com o recém-nascido como período laboral protegido, o que deve irradiar efeitos também sobre a execução penal; Instrumentos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a CEDAW, reforçam a proteção à maternidade e à infância; A jurisprudência do STJ já flexibilizou o conceito de “trabalho” para fins de remição em hipóteses não expressas em lei, como leitura e artesanato; O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ impõe a eliminação de estereótipos que marginalizam o trabalho materno.
Assim, os cuidados maternos foram reconhecidos como formas de trabalho, indispensáveis ao desenvolvimento infantil e relevantes para a ressocialização da apenada.
Voto divergente
O ministro Joel Ilan Paciornik abriu divergência, acompanhado por Messod Azulay Neto e Carlos Cini Marchionatti. Para ele: A remição exige atividade laborativa ou educacional nos termos estritos da lei; O trabalho penitenciário possui finalidade produtiva e pedagógica, distinta dos deveres maternos; A ampliação pretendida configuraria criação judicial de benefício penal não previsto, em afronta ao princípio da legalidade; A questão deveria ser tratada pelo legislador, não pelo Judiciário.
Resultado e tese firmada
Por maioria, a Terceira Seção concedeu a ordem para reconhecer a remição da pena pelo período de amamentação e cuidados maternos. Foi fixada a seguinte tese:
A interpretação extensiva do termo “trabalho” no art. 126 da LEP inclui os cuidados maternos como atividade para fins de remição de pena.
A amamentação e os cuidados maternos são reconhecidos como formas de trabalho para remição, dada sua relevância para o desenvolvimento da criança.
As decisões judiciais devem considerar as desigualdades de gênero e eliminar estereótipos que prejudiquem as mulheres encarceradas.
Esse precedente consolida a perspectiva de gênero na execução penal e abre espaço para que o conceito de “trabalho” na LEP seja interpretado de forma mais ampla, contemplando atividades tradicionalmente invisibilizadas, mas essenciais à dignidade humana e à ressocialização.
HABEAS CORPUS Nº 920980 – SP (2024/0210655-2) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR