A Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente não impõem qualquer ônus ao servidor em relação à assistência pré-escolar. O dever de assegurar creche e pré-escola até os seis anos de idade é integralmente do Estado. Nesse sentido, entendeu a Justiça Federal do Amazonas que o Decreto nº 977/1993, ao instituir a cobrança de cota-parte dos servidores, extrapolou o poder regulamentar e criou obrigação sem respaldo em lei.
Com essa disposição, o juiz federal Érico Rodrigo Pinheiro julgou procedente ação ajuizada contra o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), declarando a ilegalidade dos descontos realizados e condenando a autarquia a restituir os valores pagos indevidamente, com juros e correção monetária.
Poder regulamentar e princípio da legalidade
Na decisão, o magistrado destacou que decretos e regulamentos destinam-se apenas à fiel execução da lei, não lhes sendo permitido inovar no ordenamento jurídico. Ao transferir ao servidor parte do custo da assistência pré-escolar, o Decreto 977/93 restringiu o exercício de um direito assegurado na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, IV, da Lei 8.069/1990), sem qualquer previsão em lei formal.
O fundamento foi reforçado com precedentes da Turma Nacional de Uniformização (TNU), que já fixou tese sobre a inexigibilidade da cota-parte, e de julgados do TRF1 que apontam violação ao princípio da legalidade.
Restituição e limites
O IFAM foi condenado a restituir os valores indevidamente descontados nos últimos cinco anos, observada a prescrição quinquenal, aplicando-se o Manual de Cálculos da Justiça Federal até dezembro de 2021 e, após essa data, a taxa Selic, conforme a Emenda Constitucional 113/2021.
O magistrado afastou, contudo, o pedido de devolução em dobro, por não se tratar de relação consumerista, mas de relação de direito público, o que impede a aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Importância do precedente
A decisão reafirma a jurisprudência da TNU e consolida a interpretação de que o servidor não pode ser onerado com encargos criados apenas por decreto. O julgamento valoriza o princípio da legalidade estrita, segundo o qual a Administração só pode agir com base em lei, e reforça a natureza intransferível da obrigação estatal de garantir a educação infantil em creches e pré-escolas.
Processo n. 1033026-67.2024.4.01.3200