A estabilidade institucional do sistema constitucional brasileiro depende do equilíbrio entre mecanismos de responsabilização e garantias de independência dos Poderes. Sempre que um desses elementos se desloca — seja pela via legislativa, seja por decisões judiciais que reinterpretam normas estruturantes — abre-se espaço para redefinições no arranjo de freios e contrapesos.
É nesse ambiente que o Senado voltou a discutir uma nova lei sobre crimes de responsabilidade aplicáveis a ministros do STF e a outras autoridades, após a recente decisão do ministro Gilmar Mendes que reinterpretou dispositivos da Lei n.º 1.079/1950. A decisão elevou o quórum para o impeachment de ministros e restringiu a legitimidade ativa para a apresentação de denúncias, conferindo ao procurador-geral da República exclusividade sobre esses pedidos. Parlamentares entenderam que houve avanço do Judiciário sobre competência legislativa e passaram a articular uma resposta normativa.
A proposta que deve ser reativada foi apresentada em 2023 pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com base em minuta elaborada por uma comissão de juristas coordenada à época pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, hoje titular da Justiça e Segurança Pública. O texto tramitou entre debates e controvérsias, mas está parado desde agosto de 2023.
Segundo integrantes da cúpula do Senado, o atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), avalia colocá-lo em votação antes do recesso, e já pediu ao relator Weverton Rocha (PDT-MA) que apresente parecer. A movimentação ocorre em meio ao adiamento da sucessão no Supremo e a um esforço do governo para recompor a relação política com Alcolumbre.
O projeto ficou suspenso por causa de pontos que geraram resistência entre senadores e setores do Executivo, como: a previsão de prazo obrigatório para que o presidente da Câmara decida sobre denúncias contra o presidente da República, eliminando a possibilidade de manter processos indefinidamente sem despacho; a ampliação do rol de autoridades sujeitas a crime de responsabilidade, passando a alcançar juízes, desembargadores e membros do Ministério Público; a concessão de legitimidade para partidos políticos, sindicatos e a OAB apresentarem denúncias por crime de responsabilidade.
A expectativa é que o texto seja pautado na Comissão de Constituição e Justiça já na próxima semana. A estratégia do Senado é não avançar na PEC apresentada pela oposição que pretende permitir que qualquer cidadão possa solicitar o impeachment de ministros do STF, privilegiando a atualização da lei de 1950, considerada insuficiente diante das sucessivas crises entre Poderes.
Outras propostas que setores da oposição tentam ressuscitar incluem: PEC para limitar decisões monocráticas no Supremo; PEC para permitir que o Congresso suspenda julgamentos da Corte; Mas parte da Câmara defende priorizar o projeto de lei aprovado nesta semana que regula decisões individuais de ministros e restringe o acesso direto de partidos ao STF.
A reação legislativa ocorre após a decisão de Gilmar, que declarou inconstitucional a possibilidade de cidadãos pedirem impeachment de ministros e recalibrou o quórum necessário para o afastamento, equiparando-o ao do presidente da República (dois terços do Senado). O ministro justificou a liminar afirmando que pedidos de impeachment estavam sendo instrumentalizados como forma de pressão política. O ministro Flávio Dino, presente no mesmo evento em Brasília, apoiou a decisão e defendeu que o Congresso finalmente legisle sobre o tema.
Ao mencionar que o ministro Alexandre de Moraes concentra o maior número de pedidos de impeachment, Dino afirmou que o país deve escolher entre avaliar “um serial killer” ou reconhecer “alguém vítima de perseguição e chantagem”, ironizando o volume de representações apresentadas sem substrato jurídico concreto.
O debate legislativo reacende a discussão sobre os limites da atuação do STF na interpretação de normas estruturantes da responsabilidade política e, ao mesmo tempo, sobre a necessidade de o Congresso atualizar a legislação que rege crimes de responsabilidade, cuja matriz ainda se baseia na Lei n.º 1.079/1950, anterior à Constituição de 1988.
