Normas da Anvisa não autorizam insetos vivos: empresa de Manaus é condenada por mix de castanhas contaminado

Normas da Anvisa não autorizam insetos vivos: empresa de Manaus é condenada por mix de castanhas contaminado

A 4.ª Vara do Juizado Especial Cível condenou uma empresa de Manaus do ramo de produtos naturais ao pagamento de R$ 3 mil por danos morais, além da restituição de R$ 21,72 por danos materiais, após a comercialização de um mix de castanhas contaminado com larvas vivas e baratas, totalmente impróprio para consumo.

Produto estava lacrado e dentro da validade; consumo foi interrompido após sensação de algo se mexer na boca

Conforme consta nos autos, o produto foi adquirido em uma unidade da empresa Biomundo, localizada no Shopping Manauara, em Manaus. O item adquirido foi um mix de castanhas e frutas secas, denominado “Mix Nuts”, pelo valor de R$ 21,72.

Segundo a narrativa, o alimento encontrava-se totalmente embalado e lacrado, além de dentro do prazo de validade, no momento da compra. Após abrir o produto e iniciar o consumo, a consumidora relatou ter ingerido mais de 80% do conteúdo quando sentiu algo se mexendo na boca, ocasião em que interrompeu a ingestão e verificou a presença de larvas vivas e baratas no interior da embalagem, situação que gerou repulsa e insegurança quanto à sua saúde.

Anvisa admite apenas fragmentos microscópicos, não insetos inteiros e vivos

Ao analisar a defesa apresentada pela empresa, o magistrado Jaime Artur Santoro Loureiro afastou a alegação de que a presença de insetos no alimento estaria amparada por normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o juiz, o argumento é tecnicamente equivocado, pois as Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs) n.º 14/2014 e n.º 623/2022 não autorizam a comercialização de alimentos contendo larvas inteiras ou baratas vivas.

“Quanto ao argumento relativo aos produtos naturais e às Resoluções da Diretoria Colegiada da ANVISA, o mesmo é tecnicamente equivocado. As RDCs 14/2014 e 623/2022 da ANVISA tratam de fragmentos microscópicos inevitáveis, como asas ou pernas de insetos, não de larvas inteiras e baratas vivas, que são absolutamente incompatíveis com o consumo humano. O produto, assim, é impróprio para consumo nos termos do art. 18, §6º, incisos I e II, do CDC”. registrou o juiz na sentença.

Sobre o tema, o juiz esclareceu que as normas sanitárias mencionadas pela empresa tratam exclusivamente de tolerância excepcional e inevitável de fragmentos microscópicos, como pequenas partes de insetos (asas ou pernas), que podem ocorrer durante o processo de produção mesmo com adoção de boas práticas sanitárias. Esse permissivo, contudo, não se estende a insetos inteiros nem a organismos vivos, cuja presença revela falha grave no controle de qualidade e no acondicionamento do produto.

Para o juízo, a identificação de larvas vivas e baratas no interior da embalagem demonstra contaminação relevante e incompatível com o consumo humano, tornando o produto absolutamente impróprio.

Nesse ponto, o magistrado concluiu que a invocação das RDCs da Anvisa, no caso concreto, não apenas deixa de afastar a responsabilidade da fornecedora, como reforça a caracterização da falha na prestação do serviço, ao evidenciar que a contaminação extrapolou qualquer limite sanitário admissível.

Dano moral independe da ingestão do alimento

Outro ponto relevante destacado na sentença foi que não é exigida a ingestão do alimento contaminado para a configuração do dano moral. O magistrado ressaltou que a simples comercialização de produto contendo corpo estranho já caracteriza violação ao dever de segurança imposto ao fornecedor, por expor o consumidor a risco concreto à saúde e à integridade física.

Nesse contexto, a decisão citou entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a aquisição de alimento com corpo estranho em seu interior, ainda que não haja ingestão, é suficiente para ensejar indenização por danos morais. Isso porque a situação configura fato do produto, e ofende o direito fundamental à alimentação adequada, como o princípio da dignidade da pessoa humana. Na fundamentação, o juiz destacou precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO DE ALIMENTO COM CORPO ESTRANHO (LARVAS) EM SEU INTERIOR. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. […] 2. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e , dá direito à compensação por segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 3. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC. 4. Na hipótese dos autos, a simples comercialização de produto contendo corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita. 5. Recurso especial não provido. (Recurso especial Nº 1.876.046 – PR (2018/0290432-1); Relatora Ministra Nancy Andrighi; Data do julgamento: 04 de agosto de 2020)

Indenização fixada em R$ 3 mil

Ao fixar a indenização por danos morais, o juízo considerou os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta a gravidade da conduta, o potencial lesivo à saúde do consumidor, o porte econômico da empresa e o caráter compensatório e pedagógico da condenação. Também foi determinada a restituição do valor pago pelo produto, com correção monetária e juros legais.

Processo: 0023163-57.2025.8.04.1000.

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