A desobediência a ordens de tribunais superiores, especialmente em processos de alta complexidade e impacto financeiro relevante, configura violação direta à hierarquia do sistema recursal e aos deveres funcionais da magistratura. Foi a partir dessa premissa que o Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas decidiu aplicar a sanção máxima a um juiz de primeiro grau.
Por maioria, os desembargadores do TJAM determinaram, nesta terça-feira (16), a aposentadoria compulsória do juiz Manuel Amaro Pereira de Lima, em razão da liberação de R$ 26,4 milhões em favor de ex-funcionários do Banco do Estado do Amazonas (BEA), em decisão proferida às 23h06 do mesmo dia em que o pedido foi apresentado, em afronta a ordem expressa de suspensão emanada do Superior Tribunal de Justiça.
No julgamento do Processo Administrativo Disciplinar nº 0013201-37.2024.8.04.0000, três teses foram apresentadas. O relator, desembargador Jorge Lins, votou pela aplicação da penalidade de disponibilidade por dois anos; o desembargador Flávio Pascarelli propôs censura; e o desembargador Hamilton Saraiva defendeu a aposentadoria compulsória, entendimento que prevaleceu.
A tese vencedora foi acompanhada pelas desembargadoras Carla Reis, Nélia Caminha, Vânia Marques, Luiza Cristina, Ida Maria Andrade, Lia Freitas e Socorro Guedes, além dos desembargadores Délcio Santos, Henrique Veiga, Cláudio Roessing e Cezar Bandiera. Pascarelli ficou isolado, e os desembargadores Yedo Simões e Jomar Fernandes estavam impedidos.
O caso tem origem em ação movida por 19 ex-funcionários do BEA, que reivindicam valores relativos a contribuições feitas à Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Estado do Amazonas (Cabea), entidade privada criada em 1976. Em 2011, a ação foi julgada procedente, com reconhecimento do direito à participação na partilha dos bens acumulados. Posteriormente, os autores ajuizaram nova demanda para forçar o cumprimento da sentença. Em agosto de 2020, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, determinou a suspensão do processo, destacando a elevada monta dos valores e a complexidade da controvérsia.
Apesar da ordem de suspensão, o juiz Manuel Amaro autorizou o levantamento dos valores no mês seguinte, sob o argumento de que decisão posterior do TJAM teria esvaziado a eficácia da determinação do STJ. A ministra Nancy Andrighi rebateu a interpretação e afirmou que sua decisão “não dava margem para qualquer leitura” que autorizasse o pagamento, destacando que, como ensinam as noções elementares do processo civil, o trânsito em julgado apenas se consuma com o encerramento definitivo do próprio recurso. Ela determinou o bloqueio dos valores e comunicou o CNJ e a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas para apuração disciplinar.
Ao votar no PAD, o relator Jorge Lins afastou as justificativas apresentadas pela defesa e afirmou que a conduta do magistrado subverteu a lógica do sistema recursal. “Desconsiderar essa sistemática não é um ato de interpretação, é um ato de negação da própria lei processual, é subverter a hierarquia das instâncias”, afirmou. Para ele, a liberação de uma quantia milionária, em cenário processual complexo e sob ordem de suspensão de tribunal superior, exigia “máxima circunspecção”.
Na divergência, o desembargador Hamilton Saraiva sustentou a existência de dolo deliberado, tese reforçada por Cezar Bandiera, que ressaltou que, dos R$ 26,4 milhões liberados, apenas R$ 2,5 mil foram recuperados até o momento. Já Cláudio Roessing ponderou que a simples disponibilidade transferiria o ônus da punição ao próprio Judiciário, defendendo a aplicação da sanção mais grave em nome da moralidade institucional. Votos pela punição mais branda destacaram o tempo de serviço do magistrado, mas não prevaleceram.
