As diligências de busca e apreensão podem ser realizadas entre 5h e 21h, ainda que não haja incidência de luz solar no momento da entrada no domicílio. O critério temporal, e não a claridade do dia, é o parâmetro jurídico válido para aferir a legalidade da medida.
Esse foi o entendimento firmado pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao resolver um conflito de normas envolvendo o artigo 245 do Código de Processo Penal e o artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019). Prevaleceu o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhado pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Joel Ilan Paciornik, Messod Azulay, Marluce Caldas, Carlos Brandão e Og Fernandes.
Ficou vencido, de forma isolada, o ministro Rogerio Schietti, que defendia a adoção de um critério mais restritivo, por analogia ao Código de Processo Civil, autorizando diligências apenas entre 6h e 20h.
Conflito de normas
A Constituição Federal assegura a inviolabilidade do domicílio, permitindo o ingresso por determinação judicial “durante o dia” (artigo 5º, inciso XI). No mesmo sentido, o artigo 245 do Código de Processo Penal prevê que a busca domiciliar deve ser executada durante o dia, salvo consentimento do morador para realização à noite.
Já a Lei de Abuso de Autoridade passou a criminalizar, no artigo 22, parágrafo 1º, inciso II, a invasão de domicílio para busca e apreensão realizada após as 21h e antes das 5h, estabelecendo, pela primeira vez, um limite temporal objetivo para a atuação policial.
Horário certo e definido
Para o relator, a inexistência de definição legal precisa do que seja “dia” ou “noite” na Constituição e no CPP impõe a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, com a adoção do critério mais recente e mais objetivo fixado pelo legislador.
“Não vejo como desconsiderar a alteração legislativa que veio a definir como crime a busca e apreensão promovida antes das cinco horas. A norma não fala antes de se iniciar o dia, fala especificamente um horário certo e definido”, afirmou Sebastião Reis Júnior.
Ao acompanhar o relator, o ministro Carlos Brandão ressaltou que a posição do STJ deve ser harmônica com o arcabouço normativo e com a experiência institucional do tribunal, evitando insegurança jurídica e a invalidação em massa de diligências policiais já realizadas.
“Não é possível que, com uma decisão, nós vamos surpreender aqui o Brasil, anulando inúmeras operações que são importantíssimas”, disse.
Caso concreto
Um dos processos analisados envolveu uma advogada investigada por crimes contra a ordem econômica, estelionato, falsificação de documentos e falsidade ideológica. Ela foi alvo de busca e apreensão registrada pelos policiais às 5h05.
A defesa alegou que, naquele horário, ainda não havia luz do dia e que a praxe policial seria registrar o horário após o cumprimento da diligência, o que indicaria que a entrada no imóvel teria ocorrido antes das 5h. A tese, contudo, não prevaleceu.
Voto divergente
Ao divergir, o ministro Rogerio Schietti sustentou que a Lei de Abuso de Autoridade não regulamentou o conceito constitucional de “dia”, limitando-se a tipificar penalmente determinadas condutas. Para ele, o fato de a diligência não ser criminosa não significa, automaticamente, que seja juridicamente válida.
Segundo o ministro, buscas realizadas após as 5h, mas ainda sem luz solar, podem não configurar crime, mas permanecem ilegais, com potencial de gerar nulidade das provas colhidas.
Schietti citou precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e alertou para o risco de violações à inviolabilidade do lar. “Em um país com tradição autoritária e de sistemática violação dos direitos humanos, autorizar a polícia a ingressar em domicílios às cinco horas da manhã é algo muito perigoso”, afirmou.
Apesar da divergência, prevaleceu o entendimento de que o critério temporal fixado na Lei de Abuso de Autoridade deve orientar a interpretação do conceito de “dia” para fins de busca e apreensão domiciliar.
RHC 196.496 e RHC 196.481/STJ
