A Justiça do Amazonas reconheceu, no caso concreto, a abusividade de cláusula que transferia integralmente ao lojista o risco de fraude em transações digitais.
O crescimento do comércio eletrônico (e-commerce), cada vez mais presente no cotidiano, trouxe também novos riscos jurídicos. Nas compras virtuais realizadas na modalidade “sem cartão presente”, o cliente informa apenas os dados do cartão (número, validade e código de segurança), sem apresentar fisicamente o cartão nem digitar senha.
Esse modelo, ainda que ágil, amplia a vulnerabilidade, já que os dados podem ser utilizados por terceiros em operações fraudulentas. Surge então o chamado chargeback — contestação da compra pelo titular do cartão, que leva ao estorno do valor mesmo após a aprovação bancária e a entrega da mercadoria. A questão jurídica central é quem deve assumir esse risco: o lojista ou a instituição financeira.
Em Manaus, um comerciante processou o Banco Safra S.A., alegando ter realizado diversas vendas de forma regular e liberado os produtos somente após a confirmação dos pagamentos pela plataforma Safrapay. Dias depois, no entanto, o banco promoveu o estorno dos valores — que somavam R$ 65,1 mil — sob o argumento de que os titulares dos cartões não reconheciam as transações.
O lojista sustentou que a responsabilidade pela fraude caberia ao banco, invocando a teoria do risco da atividade (art. 927, parágrafo único, do Código Civil) e o direito à proteção do consumidor, com pedido de restituição integral e indenização por danos morais. O Banco Safra, em defesa, afirmou que nas operações de e-commerce o risco é assumido contratualmente pelo comerciante e que o procedimento de chargeback seria legítimo e previsto em contrato.
O juiz Roberto Hermidas de Aragão Filho, da Vara Cível de Manaus, reconheceu que há relação de consumo entre lojistas e bancos em contratos de meios de pagamento, aplicando o Código de Defesa do Consumidor.
Na análise do mérito, concluiu que o lojista não tem meios técnicos de verificar a autenticidade do cartão em compras virtuais, cabendo ao banco estruturar mecanismos de prevenção. Considerou abusiva a cláusula contratual que transfere integralmente ao comerciante os riscos de fraude, por violar os arts. 6º, 14, 47 e 51 do CDC, e entendeu que a restituição dos valores estornados era devida, pois a mercadoria foi entregue após autorização expressa do sistema bancário.
A sentença declarou nula a cláusula contratual que transfere o risco ao lojista e condenou o Banco Safra a restituir o montante de R$ 65.165,76, acrescido de correção e juros nos termos da Lei 14.905/2024. O pedido de indenização por danos morais foi rejeitado, sob o fundamento de que não houve prova de abalo à honra objetiva ou reputação comercial, mas apenas prejuízo patrimonial.
Tese fixada: É abusiva a cláusula que transfere integralmente ao lojista o risco de fraude em transações eletrônicas sem cartão presente (e-commerce). A instituição financeira, que detém os mecanismos de segurança, deve suportar os prejuízos em caso de chargeback.
Autos n. 0450642-81.2024.8.04.0001
