O caso ilustra como a recusa indevida em acionar a cobertura securitária empurra o mutuário a um circuito de protocolos, negativas padronizadas e risco real de perda da moradia, consumindo tempo que deveria estar voltado à vida, ao trabalho e à própria estabilidade familiar. Esse desperdício, reconhecido como desvio produtivo, foi central para a condenação.
Tese jurídica: sinistro é suficiente para quitação; condicionantes externas são abusivas
A 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas julgou procedente ação contra a Caixa Econômica Federal e fixou entendimento de que a mera ocorrência do sinistro previsto na apólice — morte ou invalidez permanente — basta para acionar a quitação do financiamento habitacional. Qualquer tentativa de subordinar a cobertura a requisitos externos, como aposentadoria por invalidez concedida pelo INSS, foi considerada abusiva e incompatível com a função do seguro MIP/DFI no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário.
Da exigência abusiva à ameaça de leilão: a linha do tempo da violação
Nos autos, restou comprovado que, mesmo após a comunicação formal do sinistro de invalidez permanente, a CEF recusou a cobertura sob o argumento de inexistir aposentadoria por invalidez — condição não prevista no contrato. A agravante veio posteriormente: com o falecimento da mutuária, evento que por si só impõe quitação integral do saldo devedor, o banco consolidou a propriedade, registrou constituição em mora e notificou para leilão do imóvel, ignorando completamente a obrigação securitária.
A juíza federal responsável observou que a instituição financeira declinou da produção de provas adicionais, não afastou a documentação médica apresentada e manteve conduta resistente até a judicialização do conflito, situação que “não se confunde com engano justificável” e que reforça o caráter abusivo da exigência criada unilateralmente pelo banco.
Aplicação do CDC e inversão do ônus da prova
Por se tratar de contrato habitacional com seguro obrigatório vinculado ao SFH, a magistrada aplicou o Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo a vulnerabilidade do mutuário e decretando a inversão do ônus da prova. Caberia à CEF demonstrar a legitimidade da recusa, o que não ocorreu. A sentença pontua que a cobertura securitária “não pode ser subordinada a critérios previdenciários” e que o conceito de invalidez permanente para fins de seguro é autônomo em relação ao INSS.
Nulidade da expropriação e repetição em dobro
Reconhecida a quitação automática pelo sinistro, a juíza declarou nulos todos os atos expropriatórios, incluindo a averbação de mora e a consolidação da propriedade. Além disso, determinou a restituição em dobro das parcelas pagas após a comunicação do sinistro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, por tratar-se de cobrança indevida praticada sem engano justificável.
Dano moral e o desvio produtivo do consumidor
A sentença dedicou trecho específico ao desvio produtivo, destacando que o mutuário foi compelido a perder tempo útil em demandas administrativas e judiciais — inclusive para evitar o leilão do próprio imóvel — quando a cobertura já era juridicamente devida. A magistrada concluiu que a conduta da CEF excedeu o mero inadimplemento contratual e violou direitos de personalidade, fixando indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil.
Determinações finais
A CEF foi condenada a emitir termo de quitação, baixar a constituição em mora e a consolidação da propriedade, abster-se de qualquer tentativa de cobrança ou expropriação, restituir em dobro as parcelas pagas após o sinistro, pagar indenização por danos morais, e arcar com custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
Processo 1023712-97.2024.4.01.3200
