“A não apresentação do réu preso à audiência de instrução — sem qualquer justificativa da unidade prisional e sem prova de ciência quanto ao ato ou à escolha de defensor — insere o acusado em situação de extrema vulnerabilidade processual, tornando impossível exigir-lhe a demonstração concreta de prejuízo. Tal exigência configuraria verdadeira prova diabólica, pois o réu, privado de participar do ato central da instrução, não teria como reconstruir ou prever como sua presença influenciaria a colheita da prova oral”.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com voto do Ministro Ribeiro Dantas, decidiu, por unanimidade, manter a nulidade de uma ação penal instaurada no Amazonas após reconhecer falha grave do Estado na condução do réu custodiado para a audiência de instrução e julgamento. O colegiado acompanhou o voto do relator e negou provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Amazonas.
Fenômeno jurídico central: nulidade absoluta por violação ao contraditório e à ampla defesa
O acórdão reafirma a natureza absoluta da nulidade decorrente da não apresentação do réu preso para a audiência de instrução, sem justificativa do estabelecimento prisional e sem prova de que ele tivesse ciência do ato ou do direito de indicar defensor. O STJ entendeu que essas falhas inviabilizam a autodefesa e a defesa técnica, afrontando os arts. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal.
Trata-se de um ponto sensível da processualística penal: quando o erro é imputável exclusivamente ao Estado, não se admite a mitigação das garantias fundamentais, nem a exigência de demonstração detalhada de prejuízo — o que seria, como registrou a própria Turma, exigir “prova diabólica”.
Os fatos que levaram à anulação
A revisão criminal julgada pelo Tribunal de Justiça do Amazonas havia reconhecido que o réu estava custodiado à época da audiência, porém não foi apresentado pelo Complexo Penitenciário, sem explicação formal do diretor da unidade. Apesar disso, o juízo decretou sua revelia e nomeou defensora dativa que não teve contato prévio com o acusado.
Posteriormente, sobreveio dúvida quanto à real situação do réu — ora considerado preso, ora tido como não localizado para intimação. Não houve comprovação de sua ciência quanto à realização da audiência, ao direito de escolher novo defensor, ou ao eventual atendimento pela Defensoria Pública.
Esse conjunto de inconsistências produziu, nas palavras do TJAM, “completa obscuridade” sobre a condição processual do acusado, cenário incompatível com o devido processo legal.
O voto de Ribeiro Dantas
Em decisão que permanece integralmente válida, o ministro destacou que a condução do preso para a audiência é dever do Estado, não podendo ser imputado ao acusado o desarranjo administrativo da unidade prisional. A instabilidade do próprio processo — ora tratando o réu como custodiado, ora como em “local incerto e não sabido” — comprometeu a segurança jurídica das intimações.
A ausência do réu impediu contato prévio com o defensor, suprimindo a autodefesa e prejudicando a defesa técnica. O caso se enquadra na jurisprudência consolidada pela Corte, citando como paradigma o REsp 1.794.907/RS (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior), segundo o qual a falta de apresentação do preso à audiência por falha estatal configura nulidade “insanável”.
Diante disso, o relator concluiu que não havia argumentos novos capazes de infirmar a decisão monocrática que havia mantido a nulidade. O colegiado acompanhou integralmente.
Tese fixada pela 5ª Turma
A ausência do réu custodiado na audiência de instrução e julgamento, sem justificativa, configura nulidade absoluta. A incerteza quanto à ciência do réu sobre a audiência e sobre o direito de escolher defensor compromete o devido processo legal, igualmente caracterizando nulidade absoluta.
AgRg no REsp 2197924 / AM
