Nos termos do art. 89 do Decreto nº 6.871/2009, a fiscalização de indústrias de bebidas alcoólicas é de competência exclusiva do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), vedada sua delegação a Municípios; é nulo, portanto, o auto de infração lavrado por órgão municipal e ilícita sua divulgação oficial, quando realizada sem o devido cuidado, ensejando responsabilidade civil por violação à honra objetiva da empresa afetada.
Esse foi o entendimento adotado pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), ao julgar a Apelação Cível nº 0677200-48.2020.8.04.0001, interposta pela Mahy Cervejaria Indústria e Comércio de Bebidas Ltda. contra o Município de Manaus. O colegiado reformou parcialmente a sentença de primeiro grau e condenou o ente municipal ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais, reconhecendo a nulidade da fiscalização e o abalo à imagem pública da empresa.
O caso teve início em junho de 2020, quando fiscais da Vigilância Sanitária de Manaus (Visa Manaus), vinculada à Secretaria Municipal de Saúde, lavraram auto de infração e termo de interdição contra a cervejaria, apontando supostas irregularidades sanitárias como a presença de fezes de roedores em sacos de malte e uso de essência de framboesa. Na mesma oportunidade, o órgão determinou a interdição cautelar da fábrica, com apreensão de insumos.
Em sua defesa, a empresa sustentou que a Visa Manaus não possui competência legal para fiscalizar a produção de bebidas alcoólicas, atividade regulada exclusivamente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), conforme o Decreto nº 6.871/2009. O argumento foi acolhido em decisão liminar proferida em mandado de segurança, que suspendeu os efeitos da interdição.
Apesar disso, o episódio foi amplamente divulgado por meio de press release institucional da Prefeitura de Manaus, reproduzido por diversos veículos de imprensa, com manchetes que associavam a marca da empresa a produtos contaminados, como “cerveja com fezes de rato”. Segundo a autora, a repercussão negativa comprometeu sua imagem junto ao mercado consumidor e dificultou sua retomada econômica em meio à pandemia.
Relator do recurso, o Desembargador Yedo Simões de Oliveira reconheceu que houve violação ao dever geral de cuidado na divulgação oficial da fiscalização, destacando que a comunicação institucional do poder público deve respeitar os limites da legalidade, da veracidade e da competência do agente.
O magistrado aderiu ao voto divergente do Desembargador Cezar Luiz Bandiera, que havia identificado “efetivo abalo à honra objetiva da parte apelante como resultado da divulgação realizada pela imprensa oficial de ato praticado por órgão incompetente”.
Aplicando a responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art. 37, §6º da Constituição Federal, o colegiado fixou indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil, com correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora conforme o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. O Município também foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação.
A decisão reafirma a exigência de rigor técnico na atuação administrativa, sobretudo quando envolve restrições à atividade econômica e repercussão pública sobre a reputação de pessoas jurídicas. A falta de competência legal para a fiscalização torna o ato nulo, e sua divulgação — quando não observa o cuidado e a veracidade exigidos — converte-se em abuso de poder, com consequências indenizatórias.
O acórdão do TJAM foi publicado neste mês de julho.
Processo n. 0677200-48.2020.8.04.0001