Aposentado induzido a dívida rotativa em vez de empréstimo fixo será indenizado no Amazonas

Aposentado induzido a dívida rotativa em vez de empréstimo fixo será indenizado no Amazonas

Ato da Juíza Lídia de Abreu Carvalho declara nulo contrato de cartão de crédito consignado que havia sido imposto a um aposentado como condição para a liberação de empréstimo. A instituição Facta Financeira – Crédito, Financiamento e Investimento deverá converter o negócio jurídico em contrato de empréstimo consignado comum. Além disso, a magistrada determinou a restituição dos valores cobrados indevidamente e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil em favor do idoso.

Os fatos

De acordo com o processo, o autor – um aposentado – buscou um empréstimo consignado cujas parcelas não deveriam exceder R$ 65,85 mensais. No entanto, para liberar o crédito, a empresa financeira condicionou a contratação de um cartão de crédito consignado, produto que o cliente não desejava.

Sentindo-se obrigado a aceitar o cartão para obter o empréstimo, o aposentado assinou a contratação. Posteriormente, ele percebeu que, em vez de um empréstimo comum com parcelas fixas e prazo definido, havia contratado um cartão de crédito consignado em que apenas o pagamento mínimo da fatura (descontado de seu benefício) era garantido, fazendo a dívida se prolongar indefinidamente devido aos juros rotativos cobrados sobre o saldo devedor.

O consumidor alegou ter sido enganado pela exigência do cartão de crédito não solicitado, afirmando que jamais conseguiria quitar totalmente a dívida nas condições impostas. Diante disso, ingressou com ação judicial pleiteando a nulidade do contrato de cartão consignado por vício de consentimento, a restituição de quaisquer valores pagos em excesso e uma indenização por danos morais.

Em sua defesa, a Facta Financeira negou qualquer irregularidade, sustentando que não houve falha no dever de informação, já que o autor teria ciência dos termos contratados e inclusive utilizado o cartão (realizando saques). A empresa argumentou estar exercendo seu direito de cobrança nos termos pactuados e contestou a existência de dano moral ou má-fé de sua parte.

A decisão judicial

Ao analisar o caso, a juíza reconheceu tratar-se de uma relação de consumo regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e observou que situações semelhantes têm se tornado frequentes no Judiciário amazonense. Ela citou que, em fevereiro de 2022, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) julgou um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR, Tema 5) exatamente sobre contratos de cartão de crédito consignado, fixando teses vinculantes sobre a matéria, e pontuou:
 
. Dentre essas teses, firmou-se que há violação ao direito à informação quando o empréstimo consignado é apresentado como modalidade principal e o cartão de crédito consignado como modalidade secundária dentro de um mesmo contrato.
 
. Em outras palavras, o chamado “cartão de crédito consignado” deve ser um contrato autônomo e independente do empréstimo. Misturar as duas modalidades em um só instrumento induz o consumidor em erro quanto à natureza da operação, especialmente se ele buscava um empréstimo tradicional.

No caso concreto, a magistrada constatou que o contrato firmado pelo autor evidenciava exatamente essa prática irregular: o empréstimo consignado figurava como objeto principal, enquanto o cartão de crédito aparecia como acessório “embutido” na contratação.

Segundo a decisão, isso torna nebulosas informações essenciais como os encargos cobrados e a forma de amortização da dívida, levando o cliente a crer que as parcelas descontadas liquidariam o débito quando, na realidade, tratavam-se apenas do pagamento mínimo da fatura.

A juíza salientou que, não tendo a instituição financeira comprovado que forneceu esclarecimentos claros, precisos e em linguagem acessível sobre todos os termos do negócio, presume-se que houve falha no dever de informação e, consequentemente, vício de consentimento por parte do consumidor.

Conforme o entendimento consolidado pelo TJAM, para que um contrato de cartão de crédito consignado seja válido, o banco deve demonstrar que informou o cliente, de forma inequívoca, sobre pontos essenciais – por exemplo, os meios de quitação da dívida, como acessar as faturas, que apenas o valor mínimo da fatura seria debitado em folha e que a não quitação integral acarretaria juros rotativos sobre o saldo restante.

De acordo com a sentença, no caso examinado, tais requisitos de transparência não foram atendidos. Amparando-se no precedente de observância obrigatória, a juíza declarou a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado por vício de vontade. Contudo, em vez de simplesmente extinguir o negócio, a sentença aplicou a regra da conversão contratual prevista no Art. 170 do Código Civil: se um contrato nulo reúne os requisitos de outro tipo contratual, este segundo pode subsistir, desde que reflita a legítima intenção das partes.

Assim, considerando que a verdadeira vontade do autor era contratar um empréstimo consignado convencional (com desconto em folha e parcelas fixas) e que ele de fato recebeu determinada quantia em dinheiro, a magistrada converteu o contrato viciado em um contrato de empréstimo consignado comum, adequado à expectativa original do consumidor.

Indenização e ressarcimentos

Além de ajustar a relação contratual, a sentença concedeu indenização por danos morais ao autor, fixada em R$ 3 mil. A juíza considerou que a conduta da instituição financeira foi abusiva, valendo-se de “subterfúgios” e de sua posição de superioridade técnica para impor ao consumidor um produto financeiro desvantajoso e extremamente oneroso. Esse fato lhe causou transtornos que ultrapassam o mero aborrecimento, configurando ofensa à dignidade do consumidor, ponderou a magistrada.  

No tocante aos valores cobrados indevidamente, a decisão estabeleceu um recalculo da dívida nos moldes de um empréstimo consignado regular. Em fase de cumprimento de sentença, deverá ser apurado quanto o autor efetivamente deveria pagar pelo empréstimo legítimo e quanto ele já pagou sob a forma de descontos via cartão consignado. Se ficar constatado que o consumidor pagou a mais do que pagaria no empréstimo comum, a diferença deverá ser devolvida em dobro, conforme prevê o art. 42, parágrafo único, do CDC, por se tratar de cobrança indevida contrária à boa-fé objetiva.

Autos n.: 0543104-57.2024.8.04.000

Leia mais

Justiça condena Município de Manaus por fiscalização ilegal contra cervejaria

Nos termos do art. 89 do Decreto nº 6.871/2009, a fiscalização de indústrias de bebidas alcoólicas é de competência exclusiva do Ministério da Agricultura,...

Mesmo fora da lista do SUS, Estado deve fornecer medicamento essencial à vida, decide juíza no Amazonas

Medicamento de alto custo não previsto no SUS pode ser fornecido pelo Estado, desde que haja comprovação médica da necessidade, ausência de alternativas terapêuticas...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Justiça rejeita denúncia contra advogada e cita ‘estereótipo de gênero’ da acusação

A assertividade de uma advogada não pode ser descredibilizada e confundida com estereótipos negativos de gênero. A fundamentação é...

STF abre inscrições para vaga de juízes no Conselho Nacional do Ministério Público

Estão abertas as inscrições para concorrer a uma das duas vagas destinada a juízes no Conselho Nacional do Ministério...

Comissão aprova projeto que obriga serviços de saúde a assegurar mamografia a mulheres com deficiência

A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou o Projeto de Lei 465/25, que obriga os...

TJDFT afasta regra de idade e mantém policial militar no cargo por excepcionalidade do caso

A exclusão de candidato do curso de formação policial militar, após aprovação em todas as etapas e exercício regular...