Banco reverte ônus da prova, e TJAM determina que consumidor comprove ausência de contratação

Banco reverte ônus da prova, e TJAM determina que consumidor comprove ausência de contratação

A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), com voto do Desembargador Délcio Luís Santos, deu provimento a agravo de instrumento interposto por instituição bancária contra decisão de Vara Cível de Manaus, que havia determinado a inversão do ônus da prova em favor de um consumidor em ação indenizatória por alegada fraude na contratação de empréstimo.

O consumidor sustentou ter sido vítima de fraude ao realizar transferências que totalizaram R$ 97 mil, sob a promessa de liberação de um empréstimo de R$ 82 mil. Ele afirmou que, após desistir do contrato, teve o reembolso condicionado ao pagamento de multa rescisória. Na ação, pediu a devolução em dobro dos valores, além de indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.

O juízo de origem acolheu os pedidos liminares e, com fundamento no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), determinou a inversão do ônus da prova, atribuindo ao banco o dever de comprovar a regularidade da contratação.

Os fatos

O autor alegou ter realizado transferências bancárias em valores elevados após tratativas com supostos representantes da instituição financeira, visando à contratação de um empréstimo no valor de R$ 82 mil. Segundo a inicial, a liberação do crédito teria sido condicionada à realização de movimentações financeiras, sob a justificativa de melhora no score de crédito vinculado ao CPF do interessado. 

Desta forma, o autor efetuou transferências por meio de contas de sua titularidade através de mais de um Banco, alegando ter somado aportes superiores a R$ 70 mil em poucos dias. As quantias teriam sido repassadas conforme instruções de atendentes do Banco Réu que se identificavam como representantes da instituição bancária, incluindo uma pessoa apresentada como gerente.

Após a realização das movimentações, o autor relatou ter recebido novos contatos com solicitações adicionais de repasses, supostamente para cobertura de IOF, custos operacionais e tributos vinculados ao contrato. Apesar das operações, o valor do empréstimo não foi disponibilizado, motivando o ajuizamento da demanda com pedidos de devolução em dobro das quantias, indenização por danos morais e suspensão da cobrança de multa contratual.

O juízo de primeira instância deferiu parcialmente os pedidos liminares, inclusive determinando a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC. Contra essa decisão, o banco interpôs agravo de instrumento, sustentando que não mantinha relação contratual com o autor, por não ser cliente da instituição, e que não havia qualquer vínculo jurídico que justificasse a responsabilização objetiva.

O relator designado no TJAM, desembargador Délcio Luís Santos, acolheu o recurso e destacou que, no caso concreto, não houve alegação de falsificação de assinatura, razão pela qual não se aplica o Tema Repetitivo nº 1.061 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impõe às instituições financeiras o dever de comprovar a autenticidade de contratos bancários impugnados por seus clientes.

O voto condutor enfatizou que o autor não apresentou documentos mínimos que demonstrem a vinculação das transferências realizadas com instruções oficiais da instituição financeira, nem a identificação dos destinatários das transações. Diante disso, o colegiado reconheceu a ocorrência de “prova de fato negativo”, cuja produção seria excessivamente onerosa para o banco, aplicando a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, do Código de Processo Civil.

A decisão foi proferida por maioria e fixou que caberá ao autor produzir prova das alegações formuladas na petição inicial, inclusive quanto à existência de relação com o banco e eventual falha na prestação de serviços.

Prova diabólica e ausência de vínculo contratual
O relator designado, Desembargador Délcio Luís Santos, acolhendo os argumentos do banco, destacou que, no caso concreto, não houve alegação de falsificação de assinatura, razão pela qual não se aplica o Tema Repetitivo 1.061 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — que impõe ao banco o ônus de provar a autenticidade da assinatura em contratos impugnados por consumidores.

Segundo o voto condutor, a controvérsia girou em torno de uma narrativa unilateral e desprovida de elementos mínimos que vinculassem o banco à suposta operação:

“O banco afirma que o agravado sequer é seu cliente, jamais tendo firmado qualquer contrato com o mesmo, assim como desconhece quem teria feito contato com ele e como teriam ocorrido tais operações”.

Além disso, a decisão ressalta que o autor possuíria formação superior e, portanto, capacidade para compreender os riscos da operação que afirma ter realizado. A ausência de documentos básicos que demonstrem a origem das transferências, os destinatários ou os meios de comunicação utilizados reforçou a conclusão da Câmara.
 
“Se o autor alega que foi enganado, mas não traz provas mínimas de como isso teria ocorrido, quem o teria prejudicado e muito menos da participação do banco, é impossível ao banco produzir provas para refutar os fatos alegados”, registrou o voto vencedor, transferindo ao autor o dever de produzir provas a seu favor. 

Processo n. 4004599-57.2022.8.04.0000

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