Admitindo que o agente pode ter agido com dolo eventual, não se mostra compatível a qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima (§2º, inciso IV, do artigo 121 do Código Penal). Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo afastou essa qualificadora de um homem acusado de atropelar e matar quatro pessoas.
De acordo com os autos, uma das vítimas era um motociclista que caiu na rodovia após bater em um carro. As outras três passavam pelo local e pararam para socorrer o motociclista. Foi quando o réu, dirigindo uma caminhonete em alta velocidade e em estado de embriaguez, atropelou as quatro pessoas, que não resistiram aos ferimentos.
Após a pronúncia, a defesa recorreu ao TJ-SP sustentando a incompatibilidade da qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima com o dolo eventual. De início, o relator, desembargador Figueiredo Gonçalves, afirmou ser possível a exclusão da qualificadora por ocasião da decisão de pronúncia.
Segundo ele, se o juízo pode absolver sumariamente ou desclassificar a conduta para outro tipo penal, “não se atina para o motivo pelo qual, ao delimitar o fato em determinada definição jurídica, como é seu dever na decisão de pronúncia, não possa apreciar, tecnicamente, a incidência de circunstâncias qualificadoras reclamadas na denúncia”.
Na análise do mérito, Gonçalves ressaltou que o dolo eventual, na definição do Código Penal, ocorre quando o agente assume o risco de produção do resultado. A expressão assumir o risco, explicou ele, tem o sentido de agir com indiferença quanto à possibilidade de produzir o resultado.
“Na situação retratada no processo: considerando a hipótese do homicídio doloso causado pela colisão, o agente se dispunha a realizar os atropelamentos, sendo-lhe indiferente a morte de outras pessoas e mais, buscava surpreendê-las para consecução desse objetivo?”, questionou.
Conforme o magistrado, a qualificadora de recurso que dificulta a defesa da vítima pressupõe que o agente esteja determinado a praticar o fato de alguma maneira, isto é, esteja direcionado ao resultado (morte da vítima), o que ele não verificou no caso em questão.
“Entretanto, quem se propõe a dirigir embriagado e em velocidade excessiva, ainda que admita o resultado morte de alguma pessoa, portanto, vítima indeterminada, não está conscientemente tentando surpreendê-la, de molde a tornar impossível que ela se defenda, evitando o atropelamento. Isso seria viável na hipótese de dolo direto, quando objetiva matar pessoa certa. Então surpreendê-la pode fazer parte do plano de conduta”, completou Gonçalves.
Mesmo admitida a incidência do dolo indireto, na modalidade eventual, por dirigir de forma perigosa, o relator disse que o agente somente seria indiferente ao resultado desse perigo. Contudo, não há qualquer evidência no processo de que ele também planejasse impedir a reação das vítimas em gesto de defesa.
“Isso passaria pela cabeça de um sádico. Entretanto, sadismo é uma psicopatologia e essa condição patológica, de quem se compraz com o sofrimento extremo de outra pessoa, deveria ser provada no processo, contra o agente, se a acusação busca imputar-lhe o comportamento de impedir a reação das vítimas, para vê-las sofrer, posto que sequer as conhecia e não tinha motivação alguma para matá-las.”
A conclusão de Gonçalves foi de que a qualificadora, de fato, não é compatível com a figura do dolo eventual, por isso ele a excluiu da pronúncia. A decisão foi por maioria de votos.
Processo 0024347-25.2017.8.26.0577/50001
Com informações do Conjur