O serviço defeituoso prestado ao consumidor pode e deve nortear a decisão do juiz quando aprecia uma ação cuja causa de pedir sejam os vícios na prestação de serviços do fornecedor. Com base nesse primado jurídico, o Desembargador Paulo César Caminha, do TJAM, julgou recurso proposto pela Latam Airlines e firmou pela sua improcedência. A empresa aérea pediu e teve negado a reforma de sentença na qual o juízo cível optou por reconhecer que um passageiro, que viajou de Manaus para São Paulo, foi alvo de danos materiais e morais, na circunstância em que se deslocou na busca de tratamento médico e teve sua bagagem extraviada, inclusive com medicamentos para uso de quimioterapia.
O fato se deu em período no qual a Covid 19, se impunha negativamente, ainda mais contra pessoas marcadas pela imuno insuficiência, e o passageiro era possuidor de leucemia linfócita crônica, precisando de cuidados especiais.
Após longo período de espera na esteira, o passageiro não teve acesso a sua bagagem. O motivo ficou aparente. Fora extraviada, tendo sido obrigado a permanecer no aeroporto durante horas à busca de uma solução- e num lugar configurado, em razão do movimento de pessoas, pelo receio de alta transmissibilidade do vírus. A bagagem foi devolvida 10 dias depois e sem maior assistência da companhia aérea.
Para a devolução, precisou o autor tomar a iniciativa do contato, sem que houvesse qualquer comunicado no sentido de que a bagagem poderia ser restituída, em descaso que foi considerado em ambas as instâncias para a fixação de danos morais indenizáveis.
“Sendo incontroverso o extravio da mala, que dá azo ao direito constitutivo da parte autora, e ausentes provas suficientes quanto à sua devolução no prazo regulamentar, ônus que recai sobre a apelante por se tratar de fato extintivo, verifica-se que o serviço contratado foi prestado de forma deficiente, sendo passível de responsabilização civil”, finalizou o acórdão.
Leia o acórdão:
Apelação Cível / Extravio de bagagem. Relator(a): Paulo César Caminha e Lima Comarca: Manaus Órgão julgador: Primeira Câmara Cível Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. 1) PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. 2) EXTRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM EM VOO DOMÉSTICO. PASSAGEIRO ACOMETIDO POR LEUCEMIA LINFÓCITA CRÔNICA (CID C91.1) QUE VIAJAVA PARA REALIZAÇÃO DE QUIMIOTERAPIA. 3) AUSÊNCIA DE PROVA DA DEVOLUÇÃO DA MALA NO PRAZO REGULAMENTAR. INADMISSIBILIDADE DE PRINT DE TELA SISTÊMICA. PROVA UNILATERAL. 4) INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 5) FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA. 6) MINORAÇÃO DO DANO MATERIAL. 7) MANUTENÇÃO DO DANO MORAL. 8) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Em que pese a alegação feita em sede de contrarrazões de que a parte Apelante não teria atendido ao princípio da dialeticidade devido à repetição de argumentos da contestação, da leitura das razões recursais extrai-se que o recurso dialoga com a sentença impugnando especificamente os seus fundamentos. 2. Narram os autores que no dia 06 de agosto de 2020 a bagagem do Sr. Antônio Sousa de Moura foi temporariamente extraviada com todas as suas roupas e medicamentos de uso continuo. Ressaltam que a viagem foi realizada com o intuito de realização de quimioterapia para o tratamento de leucemia linfócita crônica. 3. Aduz a parte Apelante que a devolução da bagagem se deu em conformidade com a Resolução de n° 400/2016 da ANAC, entretanto busca provar tal alegação por meio de print de tela de sistema interno de uso da LATAM o qual não só é produzido unilateralmente como também é ininteligível. 4. Aplica-se ao caso em tela as disposições do Código de Defesa do Consumidor em razão da subsunção das partes aos conceitos expostos nos artigos 2° e 3° do referido diploma legal. Além disto, o precedente estabelecido pelo STF por ocasião do julgamento do RE 636.331/RJ, o qual privilegia as normas e tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros tem incidência limitada aos voos internacionais, não incidindo neste caso por se tratar de voo doméstico. 5. Nos termos do art. 14° da Lei 8.078/90, o serviço é defeituoso sempre que não entregar a segurança que o consumidor dele espera. In casu, é patente a integração entre norma e fato pois quem viaja espera chegar ao seu destino com sua bagagem, especialmente aqueles que se deslocam com a necessidade de permanecer por diversos dias, a exemplo dos requerentes os quais fizeram o translado para a realização de quimioterapia. Ausentes as causas legais capazes de excluir a responsabilidade, configura-se o dever de indenizar. 6. Às fls. 45/47 constam notas fiscais correspondentes a gastos com roupas e medicamentos as quais perfazem o valor de R$ 1.603,86 (um mil seiscentos e três reais e oitenta e seis centavos). Não há comprovação quanto ao valor da mala avariada. No tocante ao valor das passagens aéreas, não constitui dano material indenizável. 7. Devido às circunstâncias que caracterizam o presente caso, entendo que houve acerto no arbitramento dos danos extrapatrimoniais pelo juízo a quo ao fixar o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos requerentes, na medida em que não só o Sr. Antonio suportou os danos decorrentes das ações da Apelante, mas também a sua esposa que o acompanhava e sobre a qual recaiu toda a responsabilidade pela resolução do imbróglio. 8. Recurso conhecido e parcialmente provido.